28.3.09

Como gosto de escolher maçãs - cap. 7


Lá estava ele, parado em minha porta, com o vento acariciando seus cabelos.
Era o cara do bar, parado, na minha frente.
Quando bati meus olhos naquele rosto tão familiar, senti meus joelhos cederem. Borboletas começaram a voar na minha barriga, e se eu tentasse falar alguma coisa, provavelmente nada sairia.
Ele estava lindo sob aquela luz. Pela pouca distancia, percebi que seus olhos eram verdes. Como os meus. O cabelo estava mais denso, o rosto um pouco sujo, mas ele continuava lindo. Aí ele riu.
Eu me assustei, me assustei muito com aquele som. Parecia comigo.
Larguei a porta e dei alguns passos para traz. Acabei prendendo o pé em um buraco. Ótimo, estava prestes a me espatifar no chão na frente do cara do bar.
Mas não, ele conseguiu me segurar. Como que em uma dança, ele me segurou pela cintura e me puxou de volta para si. Me abraçou e sorriu.
-Eu estou te esperando há tanto tempo.
Ele era encantador de mais. Fatal de mais. Porém, eu estava começando a duvidar de que ele era apenas humano. Fiquei com medo de que fosse um disfarce qualquer de Destino.
Tentei me separar um pouco, mas ele era incrivelmente forte, e cada vez que eu o empurrava, mais ele me apertava.
-Anda, me solta logo de uma vez. Já sei quem você é, pare de brincar.
-Já sabe quem sou? Como?
Ele me soltou, mas como eu estava empurrando-o o tempo todo, acabei caindo no chão. Algo assim tinha que acontecer, sempre.
Sem perder toda a classe que eu nunca tive, me levantei e me coloquei numa pose que devia impor alguma autoridade. Comecei a falar.
-Não adiante Destino, você é muito bobo. A gente já se conhece há tempo suficiente para eu saber que você se fantasia. É meio ridículo isso, no final você sempre vai me mandar fazer algo ruim. Agora, por favor, volte a ser como é que esse seu novo rosto me incomoda, e aí sim poderemos conversar.
O cara do bar me olhou, tossiu de alguma forma estranha, me olhou de novo. Parecia que ele queria vomitar.
-Certo, acho que meu disfarce não funcionou. Mas não irei tirá-lo por enquanto. Eu só gostaria que você fosse colher algumas maçãs para mim, assim poderei te ensinar algumas coisas.
-Hmm... então finalmente saberei como envenenar uma maçã?
-E se você ficar boa nisso, posso te ensinar a roubar sapatinhos de cristal.
Rimos juntos, eu adorava contos de fada. Desde criança, esse era o tipo de coisa que eu lia para me animar nos piores momentos. Estava gostando desse novo Destino.
-Corra menina, eu não tenho todo o tempo do mundo. Corra e traga-me as maçãs mais vermelhas e suculentas.
Continuei a sorrir. Sai de minha casa e corri pelo campo que tinha em frente. Dei voltas e voltas pelo lugar, pensando naqueles olhos verdes e no dialogo. Pensei na nossa conversa o tempo todo. Acabei me esquecendo que a única macieira que havia por perto ficava a alguns quilômetros de distancia, então acabei demorando um pouco mais que o normal.
Cheguei ao pé da arvore com algumas gotas de suor em minha testa.O sol estava forte, ofuscando meus olhos e deixando o resto dos animais com preguiça para sair de suas tocas aconchegantes.
Colhi a primeira maçã, vermelha e gorda, e a deixei no chão. Me agarrei aos galhos, cortando joelhos e dedos no esforço de subir.
A arvore já era velha e seca. Achava um milagre ela ainda dar frutos.
Consegui 7. Sete belas maçãs, enormes, vermelhas. Pareciam deliciosas, mas não me atrevi a experimentar uma sequer.
Segurei-as em meus braços e voltei, caminhando com pressa, com medo de que as frutas caíssem no chão. Mesmo que fossem para mim, se alguma delas se amassasse ou coisa do tipo, eu não ia me perdoar. Estavam bonitas de mais.
Cheguei suada, suja, e com as maçãs intactas. Sorrindo, coloquei-as sobre um pano estendido no chão e olhei para o cara do bar. Ele me olhou, se divertindo. Novamente, parecia que ia vomitar.
-O que houve, você não gosta de maçãs? Me mandou pegar algumas, mas nem irá tocá-las?
-Não é isso. É que você caiu. Achava que Destino escolhia melhor seus ajudantes.
-Mas você não é Destino?
-Na verdade não, não sou. Sou Nicolas. Não se assuste por eu saber muito sobre você. Ando te observando há algum tempo. E posso dizer que te entendo, pois passei - e ainda passo – pelo seu mesmo dilema.
Seu nome era Nicolas. Ele provavelmente também tinha sido vitima de Destino. Mas uma coisa ainda não se encaixava na minha cabeça.
-Porque pediu que eu trouxesse maçãs?
-Eu gosto de maçãs. E de contos de fada, se não percebeu.
Eu gostava cada vez mais de Nicolas, tinha certeza de que seriamos bons amigos. Sorri para dentro e comecei a brincar com uma fruta.
Ele riu novamente, pegou uma maçã, e comeu.
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Agora, alem da historia, vou indicar uma musica/banda que eu gosto. Dessa vez, vou indicar o Rodrigo Del Arc. A musica 'Trip' é uma das minhas favoritas. Você pode escutar em www.myspace.com/rodrigodelarc

15.3.09

Sentimentos - cap. 6

Foram três meses nessa rotina estúpida de brincar de assassina. Depois que me cansei da veterinária, resolvi ir caçar num bosque perto da cidade. Também me cansei disso.
Não consegui passar nem uma semana no açougue. Transformava todas as carnes em pequenos cubos, o dono me chamou de louca.
No segundo mês eu resolvi parar com tudo. Parei de trabalhar, larguei a escola, nunca mais falei com meus amigos. As vezes eu os via na rua, eles me encaravam e cochichavam entre si, mas nunca chegavam perto.
Passei a assistir mais televisão, ficava vendo seriados de detetives o dia inteiro. Passava dias na biblioteca publica procurando artigos e documentos sobre seriais killers. Eu estava começando a gostar deles. A me identificar.
Mas eu estava sozinha de mais. Tinha começado aquilo tudo, tinha aceitado me vingar, porque alguém tinha me largado, me deixado sem sua companhia. E agora eu não tinha companhia nenhuma.
Me exercitava todos os dias, andando de bicicleta pelo parque e apostando corrida com os carros. Eu sempre ganhava.
No final do terceiro mês já estava entediada. Destino nunca mais apareceu, não recebi nenhuma mensagem subliminar, e tinha certeza de que ele não estava me vigiando. Comprei garrafas e garrafas de bebida, me livrei de todo o alimento que ainda existia na minha casa e me deixei levar pelo álcool.
Não ganhava mais dinheiro trabalhando com coisas úteis, mas passava todas as noites de todas as semanas em boates.
Os homens ficavam me olhando, sentavam-se perto de mim. Tentavam se aproximar e faziam de tudo para conseguir minha atenção.
Exibiam dinheiro, exibiam corpo, exibiam palavras. Eu não dava a mínima.
Não estava naquele lugar para levar alguns machos para minha casa, ou para ir pra casa deles – mesmo que algumas noites eu o fizesse. Eu estava ali para observar.
Eu gostava de ficar olhando as pessoas dançando, tentando conversar umas com as outras. Eu ficava apreciando a vida dos outros, já que era impossível apreciar a minha.
Ia a vários lugares diferentes, mas um deles me chamou a atenção, e resolvi frequentá-lo.
Era um clube nos subúrbios. Tinha um karaokê, algumas mesas de cartas, caixotes espalhados para as pessoas se sentarem e um bar. O lugar cheirava a cerveja velha e problemas.
Eu ficava vendo os velhos gordos jogando cartas para se mostrar para meninas bonitas, que tinham idade para serem suas netas. Os homens trapaceavam o tempo todo. Só um que jogava limpo.
Era um garoto de vinte e poucos anos, magro e com cabelos encaracolados. Usava óculos, e parecia muito, muito inteligente. Eu só o vi jogando uma vez, mas jogou limpo. E perdeu todo o dinheiro apostado.
Sempre que eu o via, ele tinha uma garrafa de água e um livro na mão.
Não entendia porque ele passava as noites naquele bar barulhento. Se quisesse ler, que ficasse em casa. Mas eu não queria que ele ficasse em casa, gostava de observá-lo.
Enquanto lia, ele fazia expressões de espanto, felicidade, ódio, afeto. Coisas que eu não sentia mais. Eu só sentia curiosidade.
Tudo o que eu queria era saber mais sobre ele. Quem era esse tal homem que preferia ler no barulho, que mudava de sentimento varias vezes em apenas uma frase?
Mas eu não pude descobrir. Todo o meu dinheiro acabou, estava com o aluguel atrasado e não comia a dias. Eu não ligava para a comida, mas realmente precisava de um lugar para dormir.
Enfiei algumas roupas numa pequena mochila, peguei minha bicicleta e sai. Eu gostava muito de observar as pessoas, mas a vida de todos naquela cidade era extremamente chata. Trabalhavam, mentiam, traíam. Ninguém era realmente interessante. Ninguém exceto o cara do bar.
Jurei para mim mesma que ainda iria encontrar com o garoto novamente.
Sai andando na bicicleta pela rua, rumo a estrada. Se eu não encontrasse nada no caminho, poderia me hospedar na toca de um casal de coelhos. Eles provavelmente me receberiam melhor que pessoas normais.
Eu acho que devia ter trocado de sorte com alguém, pois a 30 quilômetros da cidade encontrei uma casinha abandonada.
Era de madeira e tinha três cômodos. O suficiente para mim.
Parecia que com uma leve brisa ela poderia desabar, mas só parecia. A madeira era forte e resistente, quase sem rachaduras.
A casa ficava um pouco distante da estrada, num local seco, sem nenhuma vegetação. Sem vida. As vezes passava um lagarto, um inseto, e com sorte um passarinho.
Aquele lugar era perfeito.
Passei 3 dias na casa. No quarto dia alguém bateu na porta e gritou o meu nome.
Fiquei curiosa, com um pouco de receio. Devia estar delirando. Não atendi.
Passou um tempo e bateram de novo. E de novo, e de novo.
Peguei uma faca, caso precisasse. Como dizem, melhor prevenir do que remediar. Fui até a porta.
Não precisei da faca. Quando descobri quem me chamava, levei um susto e deixei-a cair no chão, fazendo um baque.
Socorro.

4.3.09

O Bilhete - cap. 5

Tudo já estava muito escuro. Deviam ser 2 da manhã.
O hotel em que Amadeo jazia deitado já tinha desaparecido de vista, mas eu ainda estava muito longe de casa.
Eu estava caminhando há horas. Minha cabeça girava, e eu não chegava a lugar nenhum. No meu divertimento com o garoto, esqueci quem ele era. Esqueci quem era eu mesma. Acho que por isso que na hora me senti ótima ao matar.
Mas depois, sem carros passando na rua e nenhum barulho de vida alheia, eu me coloquei a pensar.
Eu tinha tirado a vida de alguém. De alguém que nem era um alguém direito ainda. Que ainda tinha muito para aprender, vivenciar. E eu que tinha roubado tudo aquilo dele.
Roubar. Acho que essa é a palavra perfeita pra isso, pra tudo. Roubar é a pior coisa que a gente pode fazer. Eu tinha roubado a alma de Amadeo, a essência da vida dele, e agora estava carregando-a nos braços. Eu estava carregando a prova de um assassinato, qualquer idiota conseguiria perceber que eu tinha matado alguém.
Naquele momento, me dei conta de como era estúpida. Destino era o culpado de tudo, tudo. Ele estava me manipulando, colocando coisas na minha cabeça, e eu estava fazendo o papel da boba que fazia tudo.
Vomitei. Já estava na hora de vomitar mesmo. Vomitei meu jantar, o vinho, as palavras e todo o meu ódio. Vomitei minha razão. Destino ia se ver comigo.
Corri o mais rápido possível. Tinha que chegar em casa.
Coloquei a chave na maçaneta com um pouco de dificuldade. Estava tremendo de mais. Antes de abrir a porta, me dobrei sobre os joelhos para recuperar o fôlego. Quando levantei a cabeça, a porta já estava aberta.
Destino estava sentado em um banquinho, me olhando com um sorriso cheio de fúria. Bateu palmas me encarando. Eu podia sentir o cheiro da raiva dele.
Certo, tudo bem, eu pensei. Vou acabar com tudo agora, largar esse trato e voltar a ser como era antes. Qualquer coisa, Amadeo teve uma overdose.
-Destino, eu realmente preciso de te falar uma coisa.
-Eu sei. Eu também tenho que te falar algo. Mas eu tenho todo o tempo do mundo, então diga, vá em frente. O que você realmente precisa me falar? – Ele me respondeu com um tom zombeteiro, como quem já sabe o final da piada.
-Eu não quero mais fazer nada disso. Não quero vingança. Já to bem assim, Zach que se dane.
-Você quer me largar então? – Eu assenti– E como você pretende fazer isso, se as marcas do nosso pequeno acordo já estão no seu corpo?
-Você pode me fazer voltar ao normal, eu não ligo. Pode levar quanto dinheiro quiser também-
O banquinho voou e bateu na parede, fazendo um barulho ensurdecedor. Não fui capaz de terminar a frase, Destino começou a berrar.
-DINHEIRO? Você acha que EU preciso de dinheiro? Não, menina, não preciso de nada! Você já disse que sim, não tem como voltar atrás.
A voz dele ecoava por todos os lados. Todos os vizinhos deviam estar escutando. Aquele homem era louco, eu tinha certeza. Mas o Louco me agarrou pelos braços e começou a falar grosso, me encarando. Só que ele não tinha olhos. E eu me assustei.
-Vim aqui para lhe dar as primeiras instruções. Se você não fizer as coisas como estou pedindo, então não fará mais nada. Tenho certeza de que haverá um espaço no inferno para você, caso eu precise.
Eu não queria que ele roubasse a minha vida. Não estava pronta pra isso. Assenti novamente.
Como qualquer filme de terror que se preze, Destino deveria desaparecer numa nuvem de fumaça e deixar as instruções escritas em sangue na parede, ou em algum código difícil.
Mas isso não era um filme. Era a minha vida acontecendo. Ele usou a porta da frente, e antes de sair enfiou um pedaço de guardanapo entre os meus dedos. Bateu a porta com muita força. Fiquei surpresa com a resistência da minha casa, tinha certeza de que ela iria desabar.
Abri o pequeno papel. Aquele homem realmente era um porco. Haviam manchas de gordura e restos de comida se misturando com as letras de uma pequena palavra naquele guardanapo. Grudei-o na geladeira e fui me deitar. Precisava dormir.
“Treine, treine, treine”. Milhares de vozes estavam sussurrando isso na minha cabeça.
Destino queria que eu treinasse. Eu não queria treinar. Mas precisava.
Não consegui dormir naquela noite e nem nas seguintes. Acho que isso me ajudou a enlouquecer. Também não tinha a menor ideia de como treinar, mas acabei usando a criatividade.
Arrumei um emprego na veterinária. Eu não tinha que fazer muita coisa, apenas matar os animaizinhos que não tinham saída. Também passei um certo tempo num açougue, aprendendo a usar uma faca.
Com o pequeno salário que ganhava, ia ao parque de diversões e treinava tiros. Eu era simplesmente ridícula.