28.4.09

"Como papel e pedra" - Cap. 12


Nicolas ganhou de mim três vezes. Eu ganhei cinco.
Eu não sabia o nome do jogo. Tínhamos que acertar a bola em um alvo, correr com ela nas mãos, pular, desviar e desarmar o outro. Parecia uma luta dançada. Ou uma dança lutada. E eu era boa nisso.
Nicolas fechou a cara e se dirigiu para a ducha nos fundos da casa. Disse que ia tomar um banho para se refrescar, que estava suado. Mas eu sabia que não era isso. Não completamente isso. Sabia que ele odiava perder, que precisava relaxar. Homens.
Ele saiu e eu fiquei parada. De pé, tentei esperar o tempo passar. Mas eu precisava me mexer.
Acabei me convencendo de que toda a energia de Nicolas tinha passado para mim. Corri mais um pouco, tentei alcançar os últimos raios do sol que se punha. Queria guardá-los só pra mim. Mas quando abri as mãos, apenas estrelas escorriam pelos meus dedos.
Voltei para casa vestindo minhas roupas encharcadas de suor e um cheiro horrível. Sem pensar se Nicolas ainda estava lá, corri para a ducha. Nunca precisei tanto de um banho.
Comecei a me despir antes mesmo de chegar aos fundos. Pretendia me deixar de molho até o dia seguinte, e minhas roupas por mais outross três.
Já estava com metade do corpo a mostra.
-Não temos mais nenhum pudor nessa casa? –Escutei sua voz rouca às minhas costas, em meio a leves risadas que inutilmente tentava esconder. Eu conseguia ver a cara de Nicolas falando isso, não precisava me virar para ter certeza. Mas me virei.
Ele olhou para mim com os olhos arregalados. Fez cara de crianças, fingiu se esconder e depois abriu um de seus mais belos sorrisos. E tentou me abraçar.
Desviei. Nicolas estava só de toalha. E eu não gostava de pessoas me tocando. Inclusive quando eu não vestia nada.
-Saia da minha frente Nicolas, preciso de água. –Falei, enquanto o empurrava para o lado, tentando entrar no pequeno quarto com o chuveiro.
Fechei a porta com pressa, tranquei-a e corri para o banho.
A água estava gelada. As gotas caiam curiosas em minha pele, me cortavam com a baixa temperatura.
-Não vai querer saber minha historinha? Ou o trato já esta desfeito e você jogou sem querer algo em troca? Aposto que está morrendo de curiosidade.
Eu queria saber. Eu estava louca, morta, com um universo e meio de curiosidade de remexendo dentro de mim. Não queria que Nicolas percebesse.
-Claro que quero saber.
Ele estava do outro lado da porta. Devia estar forçando a fechadura para entrar, eu tinha certeza de que ele não gostaria de ficar do lado de fora. Não queria que ele entrasse. Poderia contar de onde estava.
-Não vai abrir a porta?
-Não. Conte-me de onde está. E ande logo, conte enquanto estou de pé, pois já já me deito.
-Já que quer assim... –Ouvi passos se distanciando. Como era sacana.
-Pare de suspense Nicolas. Sei que ainda está com a orelha colada na porta.
Ele soltou um palavrão abafado e depois riu alto para disfarçar.
-Vejo que está cada vez mais esperta, querida Íris. Acredito que grande parte dessa esperteza seja de minha influencia.
-Sendo sua ou não, não ligo. Apenas me conte o que aconteceu.
-Está bem. Mas antes eu arrumaria algum lugar para sentar. Você está prestes a ouvir uma longa historia. Cuidado com os pesadelos, minha pequena.
Sentei no chão, sob a água. As gotas quicavam em meus ombros, molhavam meu cabelo. Faziam um som infantil. As palavras se derretiam, amargamente doces. Eu chegava a sentir o gosto. Adorava historias.
-Destino chegou cedo hoje, bem antes de você acordar. Ainda havia lua no céu - Assim Nicolas começou, narrando cuidadosamente sua historia.
-Quando abri os olhos, acordado por um frio repentino, vi seu vulto negro sentado no chão. Demorei para levantar-me, pois você me abraçava, e eu não queria te acordar. Mas como você me segurava forte! Levantei-me e fui em direção de Destino. O ar chegava a fazer mais barulho que nossas vozes em meio a uma conversa.
“Em um momento, quase começamos a gritar. Destino e eu não nos entendemos muito bem, devíamos estar discutindo por alguma bobagem. Tão bobagem que nem me lembro agora. Quando começamos a levantar a voz, ele me segurou pelo braço e me puxou para fora da casa. O ar me cortava. Andamos durante bastante tempo, rumo à uma floresta. Destinou usou um caminho difícil, dando voltas e andando rápido, fazendo com que eu não me lembrasse de como voltar.”
-Então você não foi dar uma volta?
-Deixe-me terminar, Íris!
“Certo. Bem, depois de tanto andar, acabamos chegando a uma clareira na floresta. Destino me olhou com ódio, e me bateu uma primeira vez.
“Sempre imaginei Destino como um velho. Mas seus punhos eram duros como aço, e estavam mais frios do que a noite, me cortavam. Ardiam e queimavam. Nunca um soco doeu tanto. E era uma dor que não acabava.
“Começou um longo sermão. Destino adora falar, adora que prestem atenção em suas palavras difíceis e em seus enigmas.
“Primeiro ele me disse coisas sem sentido, sobre leis, contratos, acordos. Falou que eu estava contra tudo e todos, que eu era um rebelde. Eu não entendia nada. As palavras não faziam sentido, e eu ainda estava tonto de dor.
“Foi então que olhei diretamente para Destino, e prestei atenção em sua figura.
“Ele estava sem capa Íris, sem nada. Eu pude ver seu corpo branco e enrugado. A pele fina, como papel. Eu podia jurar que, com o minimo movimento, ele se ragaria. Mas ainda assim parecia esculpido em pedra.
“Destino me olhou, mas eu já não prestava atenção. Me bateu novamente, eu sentia mais dor. Parecia que Destino ia arrancar meus braços.”

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Não sei como ainda não indiquei Beirut. É um estilo meio folclorico e muito alternativo. Vale escutar Nantes e Elephunt Gun.

20.4.09

Corrida - Cap. 11


Fiquei parada por um longo tempo, estática. Pálida. Não estava conseguindo digerir as novas instruções de Destino.
Peguei a foto e o quadro de horários no chão. A adaga podia ficar lá, não queria tocar nela tão cedo.
Observei a imagem do homem em minhas mãos. Ele continuava tristemente feliz. Eu estava com pena dele. Ele não tinha nem ideia do que iria acontecer.
Como eu gostaria de ser outra pessoa. Ou de ser alguém a mais, ser duas pessoas. Aí poderia lutar comigo mesma. Impedir que meu primeiro eu matasse.
Mas isso era complicado demais.
Desviei minha atenção para o outro pedaço de papel. Era um quadro de horários comum, lembrava aqueles de escola. Havia a hora de ler jornal, o almoço, pegar o filho na escola. Assim se seguia, até as 11 da noite.
Às 11 da noite estava escrito morte.
Ouvi passos do lado de fora da casa. Não passos, era mais um rastejar. Parecia um animal. Mas o som era muito alto para ser um animal.
Quem poderia ser? Ninguém ia até aquela casa, mas nenhuma pessoa anda como um animal. E Nicolas tinha ido dar uma volta, como Destino disse.
Peguei a adaga no chão.
Andei em silencio até a porta. Nem mesmo eu consegui escutar meus passos.
Eu estava começando a sentir medo. O barulho chegava cada vez mais perto. Abri a porta.
Era Nicolas. Um Nicolas quase que irreconhecível.
Ele estava com o rosto coberto de sangue, inchado e roxo. Os braços arranhados e uma perna quebrada. Pelo menos eu não me lembro de ter visto pernas viradas de uma forma tão estranha.
Corri até ele para ajudá-lo. Cada vez que eu tentava levantá-lo, ele gemia de dor.
Carreguei-o até dentro da casa. Uma trilha de sangue nos seguia.
Deitei Nicolas no chão e me pus a pensar. Não tinha ideia do que fazer naquele momento.
Não tínhamos telefone, e demoraria até chegar a cidade.
Além disso, já não éramos completamente humanos. Então os médicos poderiam achar algo estranho no corpo dele, e nenhuma mentira vinha a minha mente para confundi-los.
-Então Nicolas, o que vamos fazer agora?
Eu não esperava resposta. Era uma pergunta retórica. Mas, mesmo assim, Nicolas respondeu.
-Me de água, só isso.
Entre gemidos, ele formou a frase. Achei incrível eu ter conseguido entender aquela serie de grunhidos.
-Ande logo Íris!
Me levantei e corri ate a cozinha. Peguei o ultimo jarro de água fria. Essa coisa de viver longe de supermercados era trabalhosa.
Corri para Nicolas e coloquei o jarro em suas mãos. Ele estava tentando se levantar.
-Agora saia.
Ele disse assim, curto e grosso. Mas não o contestei. Ele estava machucado, com dores. E de mal humor.
Sai da casa devagar. Ainda esperava que ele mudasse de ideia e me pedisse ajuda.
Mas ele não pediu. E assim que eu fechei a porta, ele começou a gemer mais alto. Chegou a gritar de dor. Mas isso não durou nem um minuto.
Assim que a tortura parou, a porta se abriu e ali estava Nicolas, alto, belo, forte e sem cicatrizes, como sempre.
-Você ta... Ótimo!
-É. Essa coisa com o Destino até que tem seus pontos positivos.
Minha língua coçava. Eu estava louca para saber o que realmente tinha acontecido. Mas ele não queria contar. Eu não tinha perguntado, mas se eu tivesse me machucado daquela forma, acho que não gostaria de contar os detalhes para um curioso alheio.
Ele parecia estar feliz com o ‘sucesso’ de sua recuperação.
Assim que passou por mim, começou a correr. Correu rápido, correu pulando, correu de costas, me olhando.
-Então, Íris, estamos muito parados. Vamos dar uma volta hoje, que tal? Jogar bola, correr?
Mais um louco para minha vida. Nicolas devia estar pirando. Há 5 minutos, ele estava jorrando sangue por cada centímetro do seu corpo. Agora estava assim, normal, e com mais energia que nunca.
-Certo. Podemos jogar bola. Mas-
-Mas o que?
-Mas depois você terá de me contar o que aconteceu com você.
-Tá bem. Pegue uma bola dentro de casa. E prepare-se para perder.
Ele deu uma risada sonora. E começou a correr novamente.
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Indico Keane. Os caras fizeram um show no Brasil mes passado e tem uma presença de palco incrivel. A musica tambem é legal. As que eu mais gosto são Pretend That You're Alone e Perfect Symmetry.

13.4.09

'Ser brega é bom' - Cap. 10


Dormimos juntos naquela noite. É certo que sempre dormíamos juntos. Porém, dessa vez havia um sentimento. E eu gostava daquele sentimento. Não o sentia desde Zach.
Acordei com o sol entrando pelas frestas da porta. As janelas estavam vedadas por pesados tapetes, velhos e empoeirados. A luz era forte, e o vento era frio. Me estiquei para abraçar Nicolas.
-Nicolas?!
Ele não estava lá. Não liguei. Estava cansada e precisava dormir.
-Bom dia raio de sol. Não vai se levantar?
Sorri, pois parecia Nicolas falando. Depois meu coração disparou, parecia que ele estava prestes a sair pela minha boca. Levantei-me num pulo.
-Destino? Demorou um pouco demais, não acha? – Minha voz parecia arranhada, eu fazia força para ela sair com naturalidade.
-Me demorei, sim. Mas demorei porque você não fez o que eu mandei. Esperava que uma hora caísse a ficha e você começasse a treinar, mas vejo que não.
Como sempre, Destino estava envolto em seu manto preto. Eu odiava aquele pano.
Era sujo, fedia. Parecia que ele nunca o tirava, que nunca usava algo novo.
Mas dessa vez sim. Ele carregava uma bolsa de lona, verde, velha. Estava meio vazia. Fiquei curiosa.
Destino me olhou com uma cara estranha, de quem estava com muita pressa. Demorei para entender, mas como se passarinhos e borboletas tivessem soprado em meu ouvido, percebi que ele queria que eu me arrumasse.
Corri para um pequeno quarto que tinha a porta meio escondida por alguns caixotes e remexi nas maletas de roupa que Nicolas tinha trazido no dia anterior.
Haviam muitas peças estranhas, diferentes. Algumas mais retrôs, outras roupas mais futurístas. Todas com muitos fios e panos, complicadas de se vestir. Acabei escolhendo uma calça de veludo vinho e uma blusa preta, cheia de babados. É bom ser brega às vezes. Corri para a sala.
Destino já tinha se acomodado. Sentara no chão frio , sem ligar muito. Jogara a bolsa de lado, fazendo com que algumas pastas e vários papeis ficassem visíveis.
Sentei-me na frente dele, encarando-o.
-Não vou ficar enrolando. Dessa vez tenho pressa, você me fez esperar demais. Já se passaram 4 meses desde as primeiras instruções, e eu geralmente não demoro tanto.
Ele remexeu na bolsa e pegou a foto de um homem.
Ele era mais velho, lá pela casa dos 50. Tinha o rosto marcado, os olhos sábios. Estava sorrindo. Porém, os cantos de sua boca eram virados para baixo, o que fazia com que, mesmo sorrindo, ele parecesse triste.
Parecia que ele estava sofrendo. E muito.
-Este é Joannes.
Destino só estava me dizendo o nome do homem, só isso. Ele não queria que eu fizesse o que eu estava pensando, não queria. Era só minha imaginação.
Destino retirou uma adaga de dentro da bolsa. Era longa, brilhante, parecia que tinha sede de sangue. Chegava a ser bonita.
-E esta –ele girou a arma nos dedos -é adaga que você irá usar para matá-lo.
Era o que eu pensava. Porcaria.
Eu queria esquecer aquelas instruções e fingir que nada tinha acontecido. Minha cabeça se perdeu em um mar de pensamentos confusos durante um longo tempo. Imagens demasiado coloridas e em preto e branco apareciam e desapareciam. Rostos familiares e desconhecidos sorriam para mim.
Acabei acordando de meus devaneios.
-Cadê Nicolas?
-Ah, claro, Nicolas. Vejo que os dois já se conhecem. Até mais do que deveriam. Saiba que Nicolas foi dar uma volta, Íris, só isso. Uma volta.
Não respondi.
-Menina tola. Você não sabe as surpresas que seu destino guarda.
Ele riu da própria piada.
Não vi a menor graça. Eu traçava meu destino, as estrelas não tinham nada a ver com isso. Nada tinha alguma coisa a ver comigo.
Destino se levantou e pegou a bolsa.
Deixou no chão a adaga, a foto, e um outro papel. Um quadro de horários, pensei.
-Mas eu sei.
Ele disse, com sua voz rouca e cortante, cavernosa, segundos antes de sair pela porta da frente.
Uma brisa gelada passou por mim. Estremeci.

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Indico The Killers. É uma banda mais conhecida, mas o ultimo CD deles tá fantastico.

9.4.09

Feliz Pascoa !

Vou viajar nesse feriado, mas vou levar meu caderninho. Pode ter certeza de que vou voltar com um capitulo novo.
Desejo uma Feliz Pascoa com bastante chocolate - àqueles que gostam, claro.
Beijos.

8.4.09

Livros - Cap. 9


Eu deixei a caixa cair no chão. O mesmo aconteceu com a câmera. E acho que fui infeliz e acabei conseguindo quebrá-la.
Fiquei com muita raiva de mim mesma. Estragar aquela maquina de Polaroid, que nem era minha. Mas eu também estava com medo, muito medo. Ainda não tinha olhado para a porta, mas já imaginava quem estava lá.
Era Nicolas, tremendo, rodeado por sacolas de compras e trouxas de pano jogados no chão. Eu pude perceber as mais diversas frutas. Também haviam livros, livros lindos.
Livros grossos, de capa dura em veludo e com o titulo pintado em ouro. Eu queria tocá-los, eu precisava saber quais segredos eles escondiam.
-Íris? – Nicolas chamou por mim novamente. Eu estava tão entretida com os livros que acabei me esquecendo do medo e de meu companheiro. Olhei para ele com os olhos arregalados.
-Íris, porque você estava mexendo nas minhas coisas? Hein, porque? O que você viu?
-Pare com isso Nicolas. Não gosto que fiquem me perguntando de mais, isso me deixa tonta. Eu mexi porque eu quis, e vi o que meus olhos quiseram ver.
-O que seus olhos quiseram ver?
Ele parecia assustado, mas acho que queria fingir que estava tudo normal. Começou a arrumar as coisas caídas no chão. Ele ainda tremia.
-Eles quiseram ver um papel. Que eu tenho igual. E quiseram ver algumas fotos. Você é louco, porque tira fotos de pessoas dormindo? Onde você arrumou fotos minhas?
Enquanto falava, não tirei meus olhos do rosto dele. Ele hesitava em me encarar.
-Certo Íris, acho que devemos conversar.
Eu ri. Meu riso soou como folhas de papel se rasgando. ‘Você acha’, eu disse.
Ele pegou os livros de uma forma desajeitada, parecia que eles iam despedaçar. Quase que eu levantei para arrancá-los dos braços de Nicolas, mas me segurei.
Comecei a batucar no chão com meus longos dedos. O barulho era seco. Eu estava impaciente. Nicolas fez com que alguns minutos parecessem horas. Demorou, mas ele acabou sentando-se ao meu lado.
-Eu também trabalho com Destino. Eu também achei que minha vida tinha se acabado. Também me iludi, chorei, odiei e matei. Só que foi há bastante tempo atrás. Agora sou apenas eu.
-Como assim Nicolas? Há quanto tempo? Vamos, me conte, está me deixando curiosa.
-Minha historia não é interessante agora. Mas posso dizer que a primeira vez que me encontrei com Destino foi há uns 30 anos atrás. Eu fiz tudo que ele pediu. Ele me pedia pra matar, eu matava. Já não sentia remorso porque eu tava muito triste – tinha perdido toda minha família, amigos e inimigos em um acidente -, mas aí ele me mostrou você. Você seria meu próximo alvo. Mas eu não consegui.
Ele ficou um bom tempo olhando as próprias mãos. Uma lágrima caiu. Eu não gosto de homens chorando. Não que eu não ache chorar coisa de macho, porque chorar é humano, mas eu não sei consolar ninguém. Eu não sabia o que fazer. Então eu sorri. E só.
-Você está sorrindo. É porque não entende pelo que eu passei.
É, vou anotar. Nunca mais sorrir enquanto alguém chora.
-Íris, você se parece demais com uma pessoa muito especial que eu perdi, eu não podia te matar. E eu passei 3 longos anos me torturando e sendo torturado por Destino para te matar. Mas eu não consegui. Aí você foi e causou sua própria morte. Pelo menos agora posso ficar perto de você.
-Minha própria morte? Não, não fiz nada disso. Eu nem sangro mais.Acho que Destino só começou a gostar de mim. Ele meio que me salvou.
Nicolas suspirou e me encarou. Seus olhos brilhavam de fúria. Ele segurou meu rosto entre suas mãos e começou a falar. Ele estava falando grosso, muito grosso. Sua voz ficava chata daquela forma.
-Íris, entenda. Ele sabia que você não ia aguentar, que uma hora ia se entregar. Quando você chegou em casa após matar Amadeo, ele achou que você ia morrer. Mas ele estava errado, você é forte. Eu pretendo te ajudar Íris, querida, vou te ajudar em todos os momentos. Eu já não tenho saída, pois já faz muito tempo desde que Destino me transformou nessa coisa. Mas você ainda pensa, ainda sente algo, mesmo que pouco.
-Então você é tipo um anjo, assim, um ‘anjo-demonio’, que veio para me ajudar, certo?
-Certo.
-Ah, que bom. Eu pensava que você ia me matar ou algo assim.
Ele riu. Eu ri junto. Que pensamento bobo, esse meu. Nos abraçamos. E Nicolas me beijou.
Eu me assustei e o empurrei para longe. Afastei-me. Como homens podem estragar tudo em questão de segundos!
Foi então que me lembrei dos livros. Eu tinha que vê-los. Precisava.
-Porque você trouxe esses livros?
Peguei o maior e mais pesado. A capa era de veludo roxo. Havia apenas o nome do autor impresso. Abri.
As paginas eram grossas, as letras, lindas. Tinham desenhos por todos os lados, princesas pintadas que emanavam uma energia tão maravilhosa. Era um livro de contos de fada, mas eu não conhecia esse.
Folheei os outros cinco livros. Todos lindos, seguindo a beleza e delicadeza do primeiro, com historias desconhecidas e que me fascinavam.
-Você disse que gostava de Contos de Fada – Disse Nicolas -, mas eu acho que Branca de Neve anda muito ultrapassada. Fui na casa de um velho conhecido e peguei esses livros emprestados. Achei que você ia gostar.
Ele estava certo. Eu tinha adorado.
Peguei novamente o livro com a capa roxa, puxei a mão de Nicolas e fui andando para fora da casa.
O sol estava preguiçoso, se recusando a se deitar no horizonte. A luz estava bonita.
Me sentei na entrada. Nicolas fez o mesmo. Abri o livro e comecei a ler, me deliciando com a historia. Meus dedos demoravam-se nas paginas, contornando as ilustrações.
Olhei para Nicolas, sorrindo. Ele me olhou de volta. Me beijou novamente. E dessa vez eu não fugi.
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Indico The Kooks. Qualquer musica deles é bem vinda.

2.4.09

Polaroid - cap. 8

Ficamos horas conversando. Falávamos sobre a nossa vida. Sobre a vida de outros.
Discutimos sobre política, musica, cinema, arte. Ele fez alguns truques de mágica e me contou piadas. Eu dancei para ele.
Quando resolvemos sair de casa para ver o por do sol, nos assustamos. A lua já estava alta no céu, e as estrelas brilhavam como nunca.
Rimos do tempo, de nos mesmos. Tudo estava passando rápido de mais.
Quando nos demos conta de que a comida tinha acabado, uma semana já tinha passado desde o dia em que Nicolas batera em minha porta. As horas estavam parecendo segundos.
Nicolas foi a cidade, comprar algumas coisas para comermos. Ele me chamou para ir junto, mas eu não quis. Naquela manha, eu tinha visto um pedaço de papel que me trouxe péssimas lembranças. Avisei-o que não gostava de temperos nem de peixe, e falei que podia demorar o tempo que quisesse.
-Ok, mas quando eu voltar, quero ver essa casa linda. Vou preparar um almoço maravilhoso. Ah, também vou trazer algumas roupas, você ta horrível vestindo esses trapos.
-Nicolas, onde você vai arrumar todo esse dinheiro?
-Até mais tarde, Íris querida!
E ele saiu.
Eu gostava de ficar sozinha. Realmente gostava. Quando eu ficava sozinha, podia pensar em tudo que eu não pensava quando estava perto de outros. Tinha medo que os outros escutassem meus pensamentos.
Enquanto esperava Nicolas, eu fiquei pensando. Fiquei lembrando do tempo em que ainda podia pensar com o calor dos sentimentos.
O tempo passou. O sol já começava a baixar no horizonte, e Nicolas não chegava. Eu estava parada na mesma posição há horas, só pensando. Tinha que me mexer.
Levantei-me e resolvi arrumar a casa. Era a única coisa que eu podia fazer naquele momento.
Tirei os montes de lixo e coloquei pra fora. Mudei a poeira de lugar e peguei algumas roupas molhadas que estavam no varal. Olhei para o céu.
Ele estava triste, vermelho. Com cara de chuva. Com cara de perda.
Organizei meu pertences em pequenas prateleiras. Desorganizei e organizei novamente. Fiz esse mesmo processo outras três vezes, até decidir que era melhor deixar tudo dentro de minha mochila e só tirar quando necessário.
Foi então que o vi novamente.
Entre os poucos objetos que Nicolas havia trazido consigo, havia um pequeno pedaço de papel amassado. Intrigante.
Comecei a remexer naquelas pequenas tralhas. Cada vez eu achava aquilo tudo mais fascinante. No começo, eu pensara que ele tinha trazido apenas lixo, algo para comer, uma muda de roupa. Mas não.
Haviam diferentes tipos de pulseiras e brincos, uma carteira vazia, uma pedra em forma de flor, e uma flor dura como pedra. Peguei o papel com cuidado, com medo de que qualquer sopro pudesse enviá-lo para longe.
Desdobrei-o e li. Droga.
Estava escrito ‘Treine’. Da mesma forma que estava escrito no meu guardanapo sujo. Com as mesmas letras garrafais, como que em uma briga, de tão garranchadas que eram. É, eu não era a única.
Fiquei meio zonza no começo e minha cabeça se confundiu. Destino conversava comigo de uma forma que fazia com que eu me sentisse especial. Não especial, mas única.
E agora eu sabia que não era.
Mas até que fazia um certo sentido.
Nicolas não era um cara normal. Isso era óbvio. Ele nunca tentou se aproveitar de mim.
Ela era cínico. Tinha um sorriso sádico. Os movimentos leves, mas como se estivesse preso. Ele era tão parecido comigo. E isso começava a me assustar.
Comecei a mexer no resto das coisas dele. Havia ainda um canivete suíço com um pouco de sangue seco, um bloco de notas e uma caneta.
Mas o que mais me chamou atenção foi um objeto maior, preto, meio empoeirado.
Era uma câmera de Polaroid, bem suja e antiga, mas ainda funcionava. Eu nunca tinha visto uma câmera como aquela antes.
Peguei-a, tirei uma foto minha, tirei fotos da casa. Tirei uma foto minha novamente.
Também encontrei uma caixinha.
De papelão e não muito grande, ela guardava varias fotos. Fotos de pessoas, em geral.
Sempre que aparecia uma pessoa, havia uma sequência de fotos só dela, até uma ultima, que era igual para todos os outros. Era a pessoa dormindo.
Tinha de uma mulher loira correndo, almoçando, rindo. E dormindo. Um senhor chorando, lendo, pensando, e dormindo.
Haviam muitas fotos. Muitas fotos mesmo.
Eu já devia ter visto umas 100 diferentes. E cheguei em um grupo de três polaróides especiais que me chocou. Era eu. Rindo, dançando e olhando para o fotografo. Quem era o fotografo? Não era Nicolas, eu ainda não era Íris, ‘a monstra’ naquelas imagens.
Coloquei as outras fotos minhas junto com aquelas outras.
A porta se abriu com um estrondo.
-Íris?
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Indico Denimor. Escute Fabulous Fantabulous em www.myspace.com/denimor