31.5.09

Quebra-Cabeça - Cap. 14


Quando Nicolas terminou de contar sua historia, eu já estava seca e vestindo uma roupa nova. Não que a historia em si fosse muito longa, mas ele a contou devagar, escolhendo as palavras. Parecia que ele sentia na pele tudo o que contava.
Sai do pequeno quarto e vi Nicolas no chão. Ele estava sentado, meio encolhido. Parecia uma criança perdida e cansada, que não tinha mais forças para correr procurando pela mãe.
-Venha Nicolas, levante-se. Você é forte. Mais forte que Destino. Podemos ganhar desse babaca... Só precisamos de um pouco de tempo.
Ele olhou pra mim sem muita confiança. Minhas palavras soaram falsas até mesmo para os meus ouvidos, mas eu acreditava nelas. Acreditava que, algum dia, conseguiria me livrar de Destino.
-Você está certa.
Nicolas disse isso decidido, o que me assustou um pouco. Parecia que ele realmente tinha acreditado no que eu dissera.
-Claro que irá demorar um pouco, e você terá que fazer o que ele mandar por certo tempo. Mas no final conseguiremos Íris. Juntos!
Quando ele terminou de falar, percebi que eu mesma estava me convencendo disso. Destino nos subestimava. Éramos muito mais fortes do que ele pensava.
-Destino deixou as primeiras instruções para você. – Nicolas não estava perguntando, mas, da mesma forma, assenti. – Certo, então iremos cumpri-la.
-Não.
Ele me olhou assustado.
-Não, Nicolas, eu irei. Você não pode me ajudar. Não dessa vez.
Ele olhou para ao chão, sério. Pensei que iria contestar. Falar que eu não era capaz de fazer isso sozinha.
-Está certo então. – Ele se levantou. – Vamos.
Nicolas andou até a porta da casa. Demorei alguns segundos, mas acabei fazendo o mesmo. Parei na entrada, ao seu lado. Ele me olhou e deu um longo suspiro. Abriu a porta e me puxou pela mão sala adentro.
A adaga, a foto e o quadro de horários ainda estavam no chão. Ironicamente, pensei que aquilo podia se comparar às armas do crime sendo esquecidas ao lado do corpo falecido, ou algo do tipo. Tudo parecia estranhamente mortal.
Nos sentamos, Nicolas estudando o quadro de horários. Enquanto lia o pequeno papel, ele fazia algo que eu amava: ia trocando de expressões. Ele se tornava apreensivo, triste, tenso, mal, como se trocasse de mascaras. Tudo isso lendo apenas os compromissos de um homem. Me fascinava.
-Droga Íris, é amanha. Teremos que fazer tudo muito rápido.
No momento em que Destino me entregou o papel, estava tão eufórica que não fui capaz de olhar a data. Puxei-o da mão de Nicolas e soltei um gemido de desespero.
Era no dia seguinte.
Olhei para ele, pedindo socorro. Eu não ia conseguir. Não dava. Tinha menos de 24 horas para me preparar, e ainda não tinha nem ideia do que preparar. Minha cabeça começou a doer, meus olhos ardiam. Eu não estava me aguentando dentro de mim.
-Íris, ÍRIS! Respira, caramba. Você tava começando a ficar vermelha. Não se desespera, ok? Eu te dou umas dicas, você realmente tem que fazer essas coisas sozinha. Agora vem cá, toma um copo d’água, e eu vou te explicar o que você tem que fazer. Ah, e vá se trocar, você precisa chamar menos atenção, vá vestir uma roupa preta, não sei.
Olhei para Nicolas e me levantei, relutante. Bebi a água rápido de mais, provocando soluços indesejáveis. Enchi o copo novamente, bebendo mais devagar na segunda vez.
Fechei os olhos e relaxei os todos os músculos do corpo. O mundo não estava acabando. Eu ainda tinha tempo. Eu tenho tempo. E vou aproveita-lo.
Abri os olhos mais segura. Nada podia dar errado.
Corri para o quarto para me trocar. Nicolas estava certo, uma assassina com um vestido amarelo seria meio ridícula. Peguei um moletom preto, jogado no chão, e o vesti junto com um par de jeans. Parecia mais uma mendiga do que assassina, mas acho que isso era parte do papel.
Em silencio, voltei para a sala. Nicolas estava olhando a adaga em silencio. Sorria enquanto alisava a arma com os dedos. Parecia se lembrar de uma piada antiga, de historias de família que guardamos para os netos. Ele sorria um sorriso que parecia velho, coberto de teias.
-Nicolas?
Ele se virou calmamente, me olhando nos olhos.
-Puxa, demorou hein. Vamos logo. Vai ser tudo bem fácil, no caminho te conto o que irá fazer.
Nicolas ia falando ao mesmo tempo em que colocava algumas coisas dentro de uma sacola, eu o observava, me perguntando se algum dia iria entendê-lo.
-Venha logo Íris! – Nicolas me gritava, já do lado de fora de casa.
Andei devagar. Cruzei a porta e olhei para a bicicleta. O céu estava escuro, devia ser quase meia noite. Estremeci. Não só pelo frio. Estremeci por tudo. O desconhecido me assustava.
Assim que subi na garupa da bicicleta, tentei ter uma ideia geral do que iria acontecer. Mas o futuro parecia mais com um quebra cabeça de mil peças, e todas elas desconhecidas para mim.
Borboletas se agitavam no meu estômago. Abracei Nicolas com força.
-Estou com medo.
-Não tenha medo – Ele me respondeu. – Nada vai dar errado.
Ele estava tão confiante. Eu pensava que, após aquela surra de Destino, Nicolas se tornaria um fracote covarde, mas não. Ele estava mais forte. Mais confiante. Uma nova fonte de energia jorrava sobre ele, que parecia emanar uma luz de tranquilidade e segurança.
Lembrei-me da mulher que ele escutara a voz. A tal ‘Vida’. Eu tinha pensado que era só imaginação dele. Só que Nicolas estava insanamente diferente. Aquela historia da ‘voz revigorante’ devia ser verdadeira.
Fechei meus olhos com força. Tinha que parar de pensar de mais. Tinha que me focar no que estava prestes a acontecer.
Respirei fundo e me lembrei dos meus meses de falso treinamento, imaginando se ainda sabia manipular uma arma.
Cerrei os punhos e respirei fundo. Nada vai dar errado.
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Indico John Meyer. Comprei um CD mais antigo dele há pouco tempo, mas é super legal. A música Your Body Is A Wonderland é ótima. No violão e com letras meio melosas, Meyer detona.

26.5.09

Post de Aniversário

Não aniversário do blog. O meu!
Bem, venho aqui pedir desculpas por demorar para postar o proximo capitulo, mas também para avisar que criei um novo blog: o festanalaje.blogspot.com
Sendo assim, este ficará especialmente para a postagem de minha historia, enquanto no outro vou falar sobre outras tantas coisas.
Grande abraço, e parabéns pra mim !

9.5.09

Gritos de Agonia - Cap.13

-Eu comecei a gritar. A gritar muito. Ele agarrou meus ombros, cravando suas unhas sujas em minha pele, me rasgando, chegando a minha carne. Ele me puxava.
“-Eu tive que passar por isso, Nicolas! Passei por coisas muito piores! - Ele dizia, enquanto me levantava e me encostava em uma árvore. Me fazia encará-lo, mas eu não conseguia. Minha mente estava bagunçada, minha visão estava turva. Ele começou a bater no meu rosto.
“Me chamou de rebelde de novo, mas eu não conseguia nem mesmo perguntar o porque. Minha boca estava cheia de sangue. Eu já não enxergava mais nada, Íris. Só escutava. Escutava meus músculos gritando por piedade, berrando enquanto eram mutilados.
“Por um breve momento, Destino me olhou como se tivesse pena, como se estivesse repensando seus atos. Desviou seus olhos de mim por um momento. E aí eu fiz o pior.
“Estava perto de algumas árvores, precisava me esconder. Comecei a me apoiar nos troncos, tentando sair de vista daquele monstro. Idiotice minha.
“Destino reergueu seus olhos, me encarou. Riu como se tudo fosse uma piada.
“-Você acha mesmo que pode fugir de mim?! – Ele gritava, suas palavras se misturando aos meus gemidos de dor, enquanto ele me puxava pelos cabelos, na direção do centro da clareira. Senti ele arrancando metade do meu couro cabeludo.
“Eu não tinha mais certeza do que ele fazia. Podia senti-lo quebrando minhas pernas com chutes, enquanto na verdade ele estava me dando socos de fúria.
“Já não sentia mais nada. Só sentia dor, agonia. Respirava medo. E suava. Um suor frio, que caia em minhas feridas e fazia arder.
“Não sei porque, mas Destino resolveu parar de me bater. Sentou-se ao lado do meu corpo jogado no chão, me protegendo do sol que começava a surgir por entre as folhas das árvores, e se pôs a falar. Falou sozinho durante um longo tempo.
“Começou falando de mim. Foi me relembrando de toda a minha vida. Minha vida mesmo Íris, antes de ser apenas mais um dos ‘mensageiros do Destino’, ou seja lá o que somos. Assassinos, loucos. Sado masoquistas, talvez.
“Ele falava tudo o que eu passei anos tentando apagar da minha mente. Lembrou-me de minha família. De minha mãe, que fazia de tudo para nos sustentar. De meu pai, doente. Lembrou-me de meus irmãos, ah!, meus irmãos. Lembrou-me de todas as nossas aventuras.
“Tudo aquilo era uma tortura maior. Me lembrar do que eu tinha perdido doía mais do que qualquer real machucado que eu tinha naquele momento. Minhas entranhas começaram a chorar, já que meus olhos não eram mais capazes disso.
“Só que Destino contava de uma forma diferente. Ele contava como se todos ainda estivessem vivos. E como se ele fosse eu.
“Contou toda a minha vida fazendo com que ela parecesse uma mentira. Mentira, Íris, pois parecia que ele que tinha vivido por mim, e eu era apenas o telespectador.
“Uma brisa quente passou. Eu não escutava mais nada, Destino tinha parado de falar. Pensei que estava sozinho, mas não tinha escutado passos se afastando. Hesitava até mesmo ao pensar, com medo de qualquer coisa me perceber ali. O tempo não queria passar, a dor continuava. Parecia que algo me cutucava com uma agulha, cada centímetro do meu corpo latejando.
“Fiquei lá, esticado, com dor, por um longo tempo. Estava esperando que aquilo passasse. Tentava relaxar meus músculos.
“Aí eu escutei vozes Íris. E não era só Destino. Tinha uma voz feminina também. Parecia carinhosa, me acalmava. Eu queria poder vê-la. Seguir com ela para onde quer que fosse. Ela ria muito.
“Acho que se não fosse a voz da mulher, eu entraria em desespero. Mas continuei no chão, sem me mexer, evitando respirar.
“Eles falavam rápido, sobre algo que eu não entendia. Destino falou sobre um homem, mas ela parecia não prestar atenção. Destino gritou com a mulher, e ela apenas riu. Falou que ele não aproveitava a vida. Quando ela falou isso, senti uma luz. Aquela mulher era a Vida, Íris. Tinha que ser.
“Destino resmungou mais um pouco, ela disse um horário. Ele concordou.
“A mulher continuou falando. Ela cantava. Mas sua voz foi se distanciando. Pensei que eles já tinham saído. Infelizmente, estava enganado. Destino ainda estava lá. Mas ficou pouco. Ficou o suficiente para me chutar nas costelas novamente, e sair, murmurrando alguns xingamentos.
“Aquilo doeu Íris, mais do que eu esperava. Mas eu tinha relaxado meu corpo, acho que a voz da mulher me ajudou.
“Fiquei deitado mais um tempo. Eu já não tinha mais pressa. Lembrei-me da voz, me senti bem. Com dor, mas bem. Eu precisava escutá-la de novo. Isso que me deu a força necessária para me arrastar de volta.
“Eu segui o rastro dos sussurros da mulher. Tentei sentir o cheiro de seu som. E senti que estava no caminho de casa. Não sei como, mas senti. E aí eu cheguei até você Íris. Eu consegui."
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Indico Last Of The English Roses, música de um ex-Libertines e ex da Kate Moss. Falo de Pete Doherty, com sua voz meio arrastada, olheiras, drogas e um som agradável a todos os gostos.