28.10.09

Quero

Carlos Drumond de Andrade





Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutosme digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser estade reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

20.10.09

A Ligação

Era terça à noite. Geralmente, ela sentaria à mesa e estudaria até seus olhos pedirem um descanso. Mas fazia uma semana que nada era como sempre foi.
Pegou o telefone, discou, desligou. O que falar? Não tinha ideia. Criou um diálogo na cabeça. “Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer.”.
O começo estava ótimo. A continuação era por conta da resposta dele. Sentou-se ereta, pegou o telefone e discou novamente.
“Alô?” – Era uma voz de mulher.
Ela não contava com isso. Mas respirou fundo e pediu que o chamasse.
“Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer”.
Sua preparação surtiu efeito e conversaram por horas. Se o assunto acabava, ele perguntava o que ela tava pensando - ah, como ela adorava essa pergunta - ela respondia e a conversa continuava.
“Mas então, o que você acha de mim?” - Ele perguntou, então, com um sorriso na voz.
Ela não sabia o que responder. As palavras a fugiam. Não sabia como dizer a ele que não havia melhor hora para ele entrar em sua vida, não sabia como dizer o tanto que ele a deixava feliz.
Soltou um “Ah...” que significava “Eu achava que nunca mais seria feliz assim, mas olha pra mim agora! Todo dia espero chegar de noite pra gente conversar”
“Ah...?”. Ele não entendeu. Ela repetiu. “Ah...”. Dessa vez significava “Como assim o que eu acho de você? É o cara mais fofo de fofo que eu já conheci, é bem mais do que especial pra mim.”.
Ele riu do outro lado da linha, “Tudo bem, depois você pode me falar.”
Ela ficou sem jeito, pensou em falar alguma coisa, mas não queria parecer uma idiota. Queria parecer uma idiota com um pouco mais de estilo. Estava inspirada.


- Se não está disposto a parecer um idiota, não merece se apaixonar.

6.10.09

Seres de Luz - Parte 1 de 2

Era uma noite escura e chuvosa. De manhã cedo o calor era intenso, o que fez com que Johanna descesse até a rua para aproveitar as gotas frias. As luzes acesas dos postes davam a tudo um ar fantasmagórico.
Johanna era alta e forte, com o corpo curvilíneo e a pele morena. Parou de pé na calçada, com os braços estendidos para o céu. A chuva molhava seu rosto e escorria-lhe pelos cabelos, colando-os nas costas.
Subiu meia hora depois, molhando o hall de entrada. Secou-se e se acomodou no sofá em frente à tv ligada. Pegou o cachorro, que tremia ao barulho dos trovões, e o acolheu perto de si, em meio as almofadas.
Foi a primeira vez que aconteceu. A luz da sala falhou, junto com a imagem da tv, que desligou segundos depois. Johanna pegou o controle e a ligou novamente. "Está chovendo", pensou. "É normal que a tv falhe numa chuva tão forte".
E a chuva piorava a cada minuto, batia na janela com a força de punhos. A luz falhou mais duas vezes. Eram 5 da tarde, e tudo se apagou.
Johanna não se importou muito. Deitou-se no sofá com o cachorro enrolado aos seus pés e dormiu.
Acordou uma hora depois de um sono pesado, embalado pela chuva. Com os olhos ainda colados, se arrastou até seu quarto para ligar o computador. Não ligava.
A casa já estava toda iluminada por velas. Uma na cozinha, onde Dona Santa trabalhava no jantar, uma no chão do corredor, uma no quarto de seu irmão doente e uma no banheiro.
Johanna não se deixou abalar. Sentou-se no chão do corredor e começou a brincar com a vela, colocando e tirando o dedo da chama para fazer uma dança de luzes e sombras. Depois, começou a fazer animais com as mãos, refletidos nas paredes. Por último, pegou a cera quente que escorri e fez mascaras para todos os seus dedos. Duas vezes. Ela começou a ficar tensa. Já era a segunda hora sem luz, e começava a ouvir vozes. Vozes nas paredes, no teto, no chão. Vozes saindo do fogo.
Começou a andar sozinha pela casa, batendo as mãos e falando alto. Quem quer que estivesse escondido, iria aparecer.