17.2.10

Marie

Quando saiu de casa, Marie estava linda. Linda e inteira. Marie sempre saia de casa assim. Mas nem sempre voltava.
As pernas longas cobertas por uma meia fina e a sapatilha barulhenta desceram as escadas do terceiro andar com pressa, sem esperar a manga do vestido ser ajeitada sobre os braços ou o batom ser colocado nos lábios.
-Táxi, táxi! - Três carros pararam. Um deles, nem táxi era.
Como de praxe, Marie chegou um par de horas atrasada. Entrou na festa e pegou o primeiro copo de bebida discretamente. Sentou-se em uma mesa de amigos e conversou durante o segundo, terceiro e quarto copos. No quinto, se levantou para trocar de pessoas. Essa era Marie, trocava de pessoas sempre que lhe era conveniente.
Um par de olhos azuis e sorriso faiscante (extremamente convenientes) chamaram sua atenção do outro lado do salão. Marie se dirigiu à mesa desconhecida preocupando-se somente com o batom.
E na nova mesa, mais cinco copos foram esvaziados, gargalhadas foram dadas, um amigo do jardim de infância foi encontrado e ficou intima de 7 outras pessoas (dentre elas, o dono dos olhos azuis).
Descobriu que o nome dele era Louie e tinha 29 anos, era dono do Smart vermelho estacionado na porta, mas no verão usava sua Vespa de estimação. Morava sozinho em um apartamento de dois quartos, tocava piano e violão, gostava de cachorros, viajar e sushi e estava com os olhos em Marie desde seu terceiro copo.
A ultima parte chegou aos ouvidos de Marie através de cochichos. E logo que chegou, ela abriu um sorriso mais que convidativo para Louie.
Sem desculpas ou explicações, ambos se dirigiram à saída, lado a lado, sem se tocar. A beleza deles confrontava, uma tentando ser mais bela que a outra, e, juntas, eram mais belas que todos. E todos assistiam ao confronto invisível sem ao menos respirar.
Era a fuga dos sonhos de Marie. Uma festa bacana, um cara legal. A única diferença era que tudo era bem mais sexy na vida real.
Entraram no Smart e Louie dirigiu sem rumo por um longo tempo, até decidir parar em um parque silencioso, habitado por dois mendigos e um punhado de pássaros.
Marie saiu do carro carregando duas garrafas de champagne que compraram no caminho. Andou o mais rápido que pode, lutando contra o desconforto das sapatilhas, até alcançar Louie, que a aguardava com um sorriso no rosto. Juntos, sentaram-se em um gramado úmido, abraçados, olhando para as luzes da noite da cidade.
A champagne acabou antes do começo da conversa, que durou até o nascer do sol.
Conversaram sobre suas vidas, sobre a vida dos outros, sobre sonhos, festas, livros, filmes e, no final, estavam discutindo sobre espiritualidade. Mas chegaram a um consenso: deveriam ir para a casa dele.
Entraram no quarto correndo, mas demoraram-se descobrindo um ao outro. Sentiram-se satisfeitos apenas no dia seguinte.
E Marie chegou em casa descabelada, sem meias ou sapatos, vestindo uma camisa masculina e um sorriso preso às palavras "Te pego em duas horas".