As maravilhas do país de Alice
8.4.12
Caixas de papelão e lacres
13.8.11
A Alma
Uma alma infeliz me habita. São noites longas ao lado de um estranho que se ocupa de todo o meu espaço, apertando meu peito com força, partindo minhas costelas e juntando-as em mosaicos.
Tudo o que eu amo foi embora.
E quando o vazio se apoderou de mim, tão vazio ficou, que bateu à minha porta essa pobre alma. Acolhi-a sem pressa, deixando que se alastrasse por aí, afogando todas as quinas, ocupando todas as frestas, tapando os meus buracos. Foi assim que a alma chegou.
De repente, eu não estava vazia mais. Estava cheia. Inundada.
Passei a andar durante a noite pelas ruas escuras sentindo o silêncio na pele. Na mesma pele que era a pele da alma. Meus passos ecoavam nas paredes úmidas. Eu não andava sozinha. Tinha agora esse ser que zelava por mim. E isso não me deixava menos infeliz.
Depois de um tempo, eu já não precisava mais sair de casa. Eu não precisava mais sair do meu quarto. Porque a alma cuidava de mim.
Trazia-me caldos com sabor de solidão, que apertavam ainda mais o nó que a alma havia dado em mim.
Nessa época, eu ainda pensava às vezes. Sim.
Tudo o que eu amo foi embora.
E a alma respondia.
Sim, foi embora. Mas agora eu estou aqui, e pretendo ficar aqui, com você, para sempre.
Que a alma ficasse, eu nunca quis. Mas eu não via modos de mandá-la embora. Sempre que eu tentava me desprender dos cobertores que ela colocava sobre o meu corpo abatido, novos cobertores apareciam, e eu acabava sufocada, cansada de tentar. E desistia.
Um dia eu decidi que a casa era minha e o corpo era meu. Decidi isso depois que vi uma escova de dentes que não era minha sobre a pia do banheiro.
Alma, retire-se daqui!
E aquela gárgola perversa se retirou deixando-me no vazio novamente.
O que eu não percebi foi que, no vazio, ela se multiplicava, depravada, e me envolvia de uma forma descontrolada, entrando pelo meu peito e embaçando meus olhos.
Deitada na cama ao lado daquela alma escorregadia durante todos os dias da minha vida. Era assim o futuro que me aguardava.
O sol podia brilhar do lado de fora da janela, mas no meu vidro só respingavam gotas prosaicas, dia e noite.
Já desisti de me livrar da alma. Ela me convenceu de que sou fraca demais para me virar sozinha.
17.4.11
Amanhã
Hoje eu sou mais eu.
Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.
São nesses raros instantes, nesse meio tempo em que meus olhos se reacostumam à luz de fora da sala de cinema, raros instantes em que realmente enxergo a realidade.
Ontem eu não fui ao cinema.
Ontem foi aquela época em que eu sorria ingênua às pragas no jardim. Quando eu dizia para você sorrir, "só porque estou pensando em ti". E pensando em ti eu via claramente aqueles dias na praia em que corríamos de mãos dadas, e quando fingíamos não nos conhecer só para poder fazer todo aquele jogo idiota de sedução, desarmados de nossas armaduras invisíveis, amados por completo, e eu, completamente sua naquele abraço que eu imaginava ser o único.
Para sempre.
Ontem era para sempre.
Como Cinderela e diamante, para sempre juntos, pois não importam seus defeitos, não! Não ligo se pela manhã você fede ou se não gosta do jeito que gosto do meu cabelo. Ignoro o fato de que já sofri de dores e horrores em suas mãos. Pois nos amamos e é isso que importa, e mesmo quando você abre a boca e lança ao ar o seu discurso grosso feito de palavras duras, eu quero é que você me inspire e não expire nunca mais, deixe-me presa em seu interior, achando que te conheço de verdade.
E percorrendo suas entranhas, aí eu sei, que quando longe você é assim, não como você perto, diferente, menos interessante, mais esperto, mais misterioso, menos cruel, mas de que importa, se isso é só quando está longe, e, mesmo assim, ontem nunca estaria longe, ontem éramos um, duas metades feitas cada qual do seu tipo de matéria corrompida, com sua necessidade absurda de ser completa pela outra.
Ontem eu te amava imensamente.
Mas ontem eu não disse que te amava. E você não disse a mim.
Hoje eu saí do cinema.
Saí e percebi as pragas que corroíam o jardim, os tropeços que dávamos enquanto corríamos pela praia, e as falas que errávamos ao tentar convencer um ao outro em nosso jogo idiota de sedução. E como às vezes o seu abraço sufocava e doía.
São aquelas cicatrizes (comemoremos, já não são mais feridas abertas!) imperfeitas, arroxeadas, tristes, ásperas sobre a pele fina, aquelas cicatrizes que ficam visíveis nessa transição do escuro para o claro. E com a visão mais clara, eu vejo a realidade.
Hoje o para sempre não existe.
Vendo a realidade, eu entro em choque. E eu quero que você me expire de volta, logo, por favor, para que eu possa ficar sozinha pelos cantos, aceitando que nada disso existe. Que ninguém sorri com o mau hálito pela manhã. Aquelas promessas representadas por farsantes impostores, aqueles perdões imperdoáveis, aqueles beijos de reconciliação. O ser único composto por dois corpos distintos, o casal. Não existe.
Hoje eu sou mais eu.
Hoje eu te amo menos do que eu te amava ontem.
Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.
Mas amanhã estarei à espera do seu convite para darmos um passeio pela praia.
9.3.11
Devaneio Bucólico
Em sua massa, densidade e conteúdo
Se resume em todos os meus clichés
(pausa)
Te abraço apertado a evitar frestas
Meu amor por ti transborda
Aflora
Afora o tudo, me acorda em manhãs sutis
Com o perfume de flores da cor do vento
Tu és o meu maior bem
O mais puro sentimento
E fico contente só de ter o teu cheiro
Somente teu
Preso àquele lenço que já nem cheira mais
E teu sorriso bobo
Que me acalenta sob o sereno
Ou o orvalho
Seja o que for!
Chuva de amor
Quando olhas para mim
Me pego tremendo
E parto pro abraço
Tenho-te em laço
Enlaçado
E em claro
Passo as noites em que tu não estás
A contar números e seus radicais
A sonhar, lembrar, prender e defenestrar
Prendo a respiração
E aí tu vens
Como que sempre tivesse estado
E me amparas em teus braços
Brincas com meus cabelos
E fazes graça de minhas saudades
Me levas embora com pressa e,
no caminho,
Me dizes em teu velho tom casual
Que me amas
Que me amas
Depois já nem sei mais
Fecho os olhos
Cruzo os dedos
E que assim sejamos,
eu desejo,
até o fim dos tempos.
12.1.11
Paixão Gourmet
31.12.10
Conto de Ano Novo
A champagne esquentava na taça de Pietro.
Ele estava sentado à mesa da sala de jantar.
Ele estava só.
Olhava pela janela a movimentação das pessoas que corriam nas ruas à procura de terminar de fazer o que começaram antes. Pessoas à procura de dar um significado ao seu ano vazio. Pessoas com objetivos incompletos. Inacabadas.
Tudo passa.
Até a uva-passa.
Pietro riu de sua própria piada. Ninguém mais achou graça.
Não havia mais ninguém na sala.
Nove minutos para meia noite.
Pietro terminou sua taça e deixou-a vazia sobre a mesa.
Começou a pensar no seu ano.
Um desavisado estourou um foguete antes da hora.
Que compre um relógio.
Seu ano.
Pietro se lembrou das pessoas inacabadas.
Pietro não era inacabado.
Ele não tinha nem objetivos para serem incompletos.
Oito minutos para a meia noite.
Seu ano.
Pietro tinha um bom emprego numa firma de computadores. Nunca levara um esporro do chefe. Nunca recebera elogios do chefe. Na verdade, Pietro nem sequer sabia como era o rosto do chefe. Ele chegava na hora certa. Dava bom dia para o segurança. Sentava no seu cubículo. E saía as seis da tarde. Segundas as sextas.
Pietro não tinha necessidade de sexo. Não comprava revistas pornográficas. Não ligava para os telefones que lhe eram entregues.
Pietro não tinha pessoas em suas vidas. Talvez uma vez por mês sua mãe o ligasse. Mas não falavam por mais de cinco minutos. Talvez um colega o chamasse para um bar. Mas Pietro tinha seus próprios compromissos.
Pietro não tinha hobbies. A não ser um.
Sete minutos para a meia noite.
O interfone tocou.
O porteiro anuncia a chegada de Luciene.
Pietro diz que é engano. Não tem festa na sua casa.
Nem hoje nem nunca.
Mas o porteiro é velho e começa a resmungar com sua voz de velho no interfone.
Pietro desliga.
Pega a garrafa de champagne que descança na geladeira.
A não ser um.
Seis minutos para a meia noite.
Pietro coleciona acasos.
Acasos que geram acasos e, depois, geram um fim.
Essa era a única paixão de Pietro: o Fim.
Ele serviu o resto de champagne na sua taça.
Observou o gás formar pequenas bolhas nas paredes de vidro.
Cinco minutos para a meia noite.
Um exemplo de acaso: uma vez, no ônibus, uma velha com asma deixou cair sua bombinha de ar. Por acaso, Pietro a encontrou. Por acaso, ele a pegou. Por acaso, a velha começou a ter uma crise asmática.
O fim: ela morreu.
Outro exemplo de acaso: Pietro recebeu a correspondência errada. Por acaso, ela indicava lugar e hora para certo homem entregar certa mercadoria. Por acaso, Pietro não devolveu a correspondência. Por acaso, o certo homem não apareceu.
O fim: ele morreu.
Quatro minutos para meia noite.
Pietro precisou ir ao banheiro.
Líquidos geram líquidos, e o fim é a descarga.
Três minutos para a meia noite.
O interfone toca novamente.
O porteiro anuncia a chegada de Maria e Laura.
Acasos.
Pietro manda-as subir.
Ele abre a gaveta da cozinha e estremece.
A noite promete.
Dois minutos para a meia noite.
Toca a campainha.
Está aberta!
As duas moças entram.
Alguns fogos já estouram no céu.
Pietro corta a garganta das duas.
Um minuto para a meia noite.
A faca já está limpa e dentro da gaveta.
As duas moças estão sentadas no sofá, imóveis.
Pietro está sorrindo olhando pela janela.
Termina de beber sua taça.
Meia noite.
Ele brinda com as moças.
E viva o ano novo!
11.12.10
Secreções desgostosas prazerosas em meu ser
Mas de ti e nós não sei mais é de nada. E esse vômito que agora me cobre é feito só de águas passadas. O movimento dos moinhos no horizonte já me é entediante. O barulho do vento não assusta mais. Às vezes eu via reflexos à janela e me punha curiosa a observá-los. Agora quero desvendá-los. Atraí-los com pseudo-iscas para a minha armadilha espectral.
Podia muito bem levantar-me e pegar um balde para limpar o chão. Entrar na ducha fria para me purificar. Mas, ao contrário, sinto-me atraída pelo desgosto. Quero mesmo é que esse vômito nostálgico me cubra por inteiro e me afogue em seu querer de agora sei o que ali havia. Penso que se talvez o cultivasse e vomitasse uma vez por noite, o passado, querido e amado, confortaria as almas penadas, sujas e solitárias, que agora vagueiam pelos meus corredores internos a sussurrar nadas ao vácuo em busca de informações que na verdade evitam. Almas masoquistas.
Tic Tac Tic Tac.
Vomitei de novo.
Agora acordada.
30.11.10
Sortudo é o Peixe
E ter memória de 15 segundos
Sempre a nadar no infinito
Sempre a desconhecer o mundo
Queria eu ser como o peixe
Que toda vez que o mundano acontece
Ele vê como novidade
E logo depois, esquece
Queria eu ser como o peixe
Que não se lembra de horários
Não se importa com datas
E muito menos com as chaves do carro
Queria eu amar como o peixe:
A cada 15 segundos
Te amo de novo
E de novo e novo
Queria eu desamar como o peixe:
A cada 15 segundos
Não se lembra dos outros 15
Que, cego, desperdiçou
5.11.10
Mergulho
23.9.10
Agendas
Ontem abri minha agenda para checar meus afazeres. Passei, sem paciência, aquelas páginas rabiscadas de um antigamente recente. Cheguei no hoje e percebi, meu deus!, o quão pouco faltava para o fim. Como tudo tinha passado. Como o seu aniversário estava chegando. Mais três capítulos e acabava aquela pseudo agenda pessimamente utilizada.
Sentei-me na cama com dores nas costas, a velhice precoce me matando. O peso do tempo se repousando na memória. Contei nos dedos: dois dias para a primavera.
Peguei novamente a agenda, dessa vez por vontade de análise. Desde o começo do ano, resoluções incompletas, alguns vários deveres sem término. Tudo inacabado. Menos a agenda. E mesmo contra a minha vontade, o tempo passava e, ao seu tempo, a agenda acabava.
Eu também acabava. Não meus textos e pinturas, mas sim meus desejos e crenças. Me achava crescida. Pronta. Que já sabia de tudo e não precisava mais da sua ajuda. Mal sabia eu que não era bem assim. Não sabia nem mesmo cultivar uma agenda para que ela florescesse saudável na primavera.
Vi o cachorro deitado no chão, a fumaça do incenso subindo, fazendo desenhos e contornos do nonsense. Seria agora tarde demais?
Dois dias para a primavera. Três capítulos para o fim de já. Mas não seria hoje o começo do fim de tudo? Ó, tormento! Tudo o que eu precisava era de uma noite de sono, e não de mais afazeres para o dia de amanha.
Anotei na agenda, com pressa, no primeiro dia de primavera: "Faça valer a pena". Recostei a cabeça e esperei o sono vir, rezando para não esquecer de checar a agenda no dia certo.
Acordei pensando que seu aniversário chegava. Assim como o fim. Os dias passam. E a agenda, ela está logo ali.
18.9.10
Criação Conjunta
cortiça
que espicha
espreme
esfrega
escreve na cara
esporos entre
os poros
em nossos
porões absolutos.
VÁCUO
10.7.10
Fantasias
Primeiro, havia apenas eu. Era um campo verde, com um lago cinza e uma casa. E, em minhas mãos, uma caixa.
Depois, haviam palhaços. E os palhaços me puxaram, empurraram, estiraram, dobraram, cortaram, pintaram e mudaram até que eu me parecesse com eles. Em minhas mãos, repousava a caixa, suave e fria.
Ela era de madeira talhada, com curvas e desenhos de sonhos e desejos matinais, levemente pesada, com um cadeado de bronze. A caixa estava trancada, e se recusava a me contar que segredos guardava.
Os palhaços, delicados como palhaços devem ser quando não prezam pela delicadeza, esticaram suas mãos enluvadas em minha direção e, ao som de uma marcha fúnebre, guiaram-me para a casa. Relutei, gigantesca era minha insegurança, e, apesar de minhas suplicas, percebi-me no interior da construção ao fim da musica.
Agora, não é pertinente lembrar o aspecto da casa. Nunca será. Apenas seu fedor mórbido que até hoje me apanha em momentos de guarda baixa ou embriaguez. O horror que se atulha em meus pulmões é imenso, e sufoca, rápido, sem pena de todo o meu sofrer.
A atmosfera da casa aos poucos se foi e novamente lá estava eu, no campo verde. Nada em minhas mãos. Senti-me mais vazia do que a caixa sem seu valioso segredo. Mas um estrondo encheu meus ouvidos e, no mesmo instante, a casa partiu-se ao meio, as paredes de mármore se desfazendo como se fossem papel. E, quando o barulho silenciou, o lago cinzento engoliu os restos da casa, não deixando ali mais nada além de sua cinzentisse.
Sentei-me no chão, oca. Para mim, não havia mais nada, pois, até aquele momento, a caixa era a razão de tudo, e não havia mais o que fazer, pois, mesmo tendo tudo, eu não tinha a razão.
Foi então que ouvi -não sei como, mas ouvi- passos macios sobre a relva, passos leves e dançantes, quase sobrenaturais. Levantei meus olhos com certo atrevimento, e a imagem que presenciei foi surpreendente.
Uma bailarina, vestida toda de branco, dançava pelo campo com uma melodia silenciosa guiando seus pés. Envolta em tecidos que se ondulavam quase líquidos, ela se deslocava em minha direção, descrevendo longos e complicados movimentos, olhos fechados, confiança no vento.
"Porque vestes essa fantasia estúpida de palhaço?"
A frase dita pelo corpo dançante pairou no ar por um momento. Porque mesmo que eu me fantasiava daquela maneira? Não me lembrava. Não havia razão. Onde esta a razão?
"Não sei"
E a bailarina me puxou pelo braço, e logo eu também dançava como ela, não tão graciosa, mas, ainda assim, suave, dançando sem razão ou rumo em uma harmonia sem fim.
Por horas a fio a dançar, achava que para sempre assim viveria, sem mira certa, causa ou justificação, apenas a me repousar sobre o bailado sem sentido.
O fim da harmonia chegou. E, com ele, o abrimento de meus olhos já desacostumados com a luz. Um brilho amarelo iluminava a sala, mas não era o sol.
Passado tempo de desconforto, reconheci, à frente, uma plateia. Sob meus pés, um palco.
Holofotes velhos se penduravam no teto, atirando seus raios sujos sobre mim. Na plateia, haviam milhares de pessoas. Todas elas iguais e, ao mesmo tempo, extremamente diferentes. Demorei-me no rosto de cada um, e cada rosto, tão parecido, me passava uma sensação tão diferente do anterior. Todas sensações distintas. Nem todas boas. A maioria ruim.
Um ruído estranho saiu da coxia, avisando a entrada da Bailarina no palco.
A Bailarina mantia suas mãos nas costas, escondendo algo, e sorriu (sorriu daquela forma que só as bailarinas sorriem).
Estendeu as mãos e, nelas, segurava a minha caixa, dessa vez sem cadeado, pronta para mostrar o que guardava e acabar com o vácuo que me habitava há tanto tempo. E a Bailarina abriu a caixa. E eu pude ver o que, com tanto cuidado, ela escondia.
Então, a Bailarina se transformou em uma Bruxa Má e sorriu novamente (sorriu daquela forma que só as bruxas más sorriem).
E, com uma adaga, a Bruxa Má apunhalou o segredo da caixa.
24.5.10
O céu, o outono, o homem e a mulher
Havia um banco. Um banco branco. Um banco branco, grande, de granito, frio, feio, triste e sozinho, no meio da praça. Sobre o banco, havia um homem. Sob o homem, havia um banco.
O homem era alto e magro, e, sob os cabelos encaracolados, seus olhos estavam fixos em um jornal. O homem lia.
Por uma porta de madeira (que separava aquele mundo real do imaginário), entrou a mulher. E, junto da mulher, sem convite, entrou a brisa musical do outono que se despia de suas folhas secas e mortas.
A mulher era ela, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, era apenas ela, mulher, mente e alma. Trazia consigo uma musica, e, com ela, o mundo dançava.
A mulher, harmoniosa em si, sentou-se no banco branco ao lado do homem que lia o jornal.
O céu, acima das cabeças do homem, da mulher e da frieza do banco, olhava para baixo, acolhedor em seus leves tons pasteis. Era azul e amarelo, era um céu de outono que alegrava o coração da mulher.
Tem coisa mais bela e perfeita que o céu? Ele é por ser. Não se compara, simplesmente é.
E o homem olhou para a mulher, enfeitiçado pelos seus pensamentos alheios.
E a mulher olhou para o homem, curiosa em sua estampa.
E enquanto ambos se contemplavam, uma águia viril entrou pela porta. A porta caiu, a musica se esvaiu, o outono se foi.
Todas as coisas mais belas daquela manhã de maio se esconderam em suas tocas, mas o céu por lá ficou, em sua magnitude, sereno. Ele foi o único que percebeu.
Envoltos pelos ventos cortantes que chegavam com pressa, a mulher e o homem continuavam a se encarar. Vez ou outra, a mulher murmurava uma melodia de verão. E o homem sorria um pouco mais.
Passaram-se mais três estações, até as primeiras palavras ditas, estilhaçando o silencio em pequenos cacos de saudade.
E a mulher e o homem conversaram por alguns minutos até começar a chover. O homem virou-se e foi embora, protegendo-se com o jornal. A mulher por lá ficou, observando os lamentos do choro do céu a presenciar mais um final infeliz.
6.4.10
Ódio
Odeio suas piadas.
Risadas.
De péssimo gosto.
Odeio o seu mau gosto. Odeio o jeito que você combina verde com laranja. E as estampas.
Odeio seus sapatos velhos.
Eles fedem.
Eu odeio seus cílios longos e negros. Odeio seu olhar indecifrável.
Pistas que nunca acho.
Enigmas.
Odeio seu cheiro de não-sei-o-que. Odeio seu hálito.
Me da enjoo.
Náuseas.
Odeio suas palavras. Odeio o jeito como você sabe escolhe-las a dedo. Odeio seu jeito de falar.
Odeio quando você me faz pensar.
Pensar sobre nós.
Sobre mim.
Amar.
Odeio quando você me faz de idiota. Odeio quando eu tropeço e você ri. Odeio quando você mente.
Doí muito.
Odeio quando você me faz de inteligente. Odeio quando você me ajuda a levantar. Odeio quando você pede desculpas.
Doí muito.
Odeio quando você me faz acreditar.
Esperanças.
Odeio o seu cabelo bagunçado pelo vento. O brilho dos seus olhos olhando a lua. A chuva pingando em seu rosto.
Odeio o seu tique de ficar mordendo a boca. De mexer a cabeça.
Já falei do seu riso?
Odeio ele.
Odeio quando você ri e só para quando olha pra mim. Odeio ver você serio. Odeio quando você esta certo.
É patético.
Odeio suas promessas impossíveis, suas historias encantadoras, seus sonhos inventados e sua imaginação.
Odeio seus amores de verão.
Bobos.
Odeio essa sua forma de ver o mundo por um lado bom.
Otimista demais.
Odeio essa sua forma de ver como tudo esta acabando.
Pessimista demais.
Odeio seus extremos.
Odeio suas viagens infinitas. Odeio as lembranças que traz. Odeio quando você diz que eu sou sua paz.
Odeio seu rosto angular. Suas mãos que nunca me tocam. Seu som.
Odeio o seu gosto musical tão parecido com o meu. Odeio os seus filmes favoritos.
Principalmente as atrizes. Odeio a Megan Fox.
Odeio o seu jeito de odiá-la também.
Odeio quando me compara às outras. Odeio quando faz com que eu me sinta especial. Odeio a sua atenção.
Não entendo.
Odeio quando você não me responde. Quando você não pergunta. Odeio você, alheio.
Passageiro.
Odeio ter que te dar oi primeiro. Odeio quando você responde. E odeio quando você puxa assunto.
Odeio suas coleções. Seus cuidados. Seu prato favorito. Suas ânsias.
Odeio distancias.
20.3.10
Adeus, Aurora
17.2.10
Marie
22.1.10
Decepção
É ver a maior caixa de presentes sob a árvore de natal com seu nome escrito. Começar a rasgar o papel até algum parente se lembrar que as etiquetas estão trocadas. Na verdade, você ganhou um pijama.
Decepção é descobrir que namora gêmeos, saindo cada dia com um diferente. E todos sabiam, menos você.
Decepção é perceber que está usando meias diferentes e tem uma mancha de pasta de dente na cara no primeiro dia de aula.
E decepção é amar.
É dor. É choro. Lágrimas quentes. Banho de agua fria.
11.1.10
E A Solitude Utópica...
16.12.09
Um ano!
9.12.09
Desapegada
18.11.09
Resposta
4.11.09
Apelo
28.10.09
Quero
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
Quero que me repitas até a exaustão
Exijo de ti o perene comunicado.
Se não me disseres urgente repetido
20.10.09
A Ligação
Pegou o telefone, discou, desligou. O que falar? Não tinha ideia. Criou um diálogo na cabeça. “Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer.”.
O começo estava ótimo. A continuação era por conta da resposta dele. Sentou-se ereta, pegou o telefone e discou novamente.
“Alô?” – Era uma voz de mulher.
Ela não contava com isso. Mas respirou fundo e pediu que o chamasse.
“Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer”.
Sua preparação surtiu efeito e conversaram por horas. Se o assunto acabava, ele perguntava o que ela tava pensando - ah, como ela adorava essa pergunta - ela respondia e a conversa continuava.
“Mas então, o que você acha de mim?” - Ele perguntou, então, com um sorriso na voz.
Ela não sabia o que responder. As palavras a fugiam. Não sabia como dizer a ele que não havia melhor hora para ele entrar em sua vida, não sabia como dizer o tanto que ele a deixava feliz.
Soltou um “Ah...” que significava “Eu achava que nunca mais seria feliz assim, mas olha pra mim agora! Todo dia espero chegar de noite pra gente conversar”
“Ah...?”. Ele não entendeu. Ela repetiu. “Ah...”. Dessa vez significava “Como assim o que eu acho de você? É o cara mais fofo de fofo que eu já conheci, é bem mais do que especial pra mim.”.
Ele riu do outro lado da linha, “Tudo bem, depois você pode me falar.”
Ela ficou sem jeito, pensou em falar alguma coisa, mas não queria parecer uma idiota. Queria parecer uma idiota com um pouco mais de estilo. Estava inspirada.
- Se não está disposto a parecer um idiota, não merece se apaixonar.
6.10.09
Seres de Luz - Parte 1 de 2
23.9.09
Uma breve ideia da vida
Passei dois anos de minha infância e pré-adolescência em Brasília. Era tudo lindo. Eu não ligava para minha aparência (graças a Deus, pois se ligasse nunca seria feliz) nem para a aparência dos outros, estudava numa escola pequena e tinha muitos amigos. A única coisa que me fez chorar lá foi a hora de ir embora.
9.9.09
Fobia
4.9.09
A Festa
22.8.09
A Declaração
12.8.09
O Primeiro Conto de Alice
Durante o dia, Alice era triste. Cada minuto era uma batalha. Até o sol se por e a lua aparecer no céu. Até chegar a noite.
Entrava em casa correndo, jogava bolsa, mochila ou qualquer coisa que carregasse para os lados. Sem mesmo trocar a roupa, Alice se jogava na cama e dormia.
Assim que fechava os olhos, ela caia em um sono profundo, e logo sonhava. Sonhava primeiro com um céu cheio de estrelas. Ela andava sobre esse céu. Dava três passos para a esquerda, uma estrela à frente, outros dois passos à direita e mais cinco estrelas na direção do sol. Depois ela sonhava de novo, com um lugar novo, belo, onde ela era tudo. E então, ela não sonhava mais. Ela vivia em seu próprio mundo.
Mesmo com 16 anos, Alice não tinha amigos. Era uma velha em corpo de jovem. Lia muito, sabia demais e vivia com a cabeça em qualquer outro planeta, menos a Terra. A Terra era cruel.
Dia após dia, Alice esperava ansiosa a noite chegar. Não prestava atenção nos outros ao seu redor, apesar de sua vontade de ter alguém com quem dividir seu mundo noturno. Mas todos gozavam de sua sonolência, e ela aguentava. Até que seus colegas a fizeram chorar. De um modo frio, enviavam diariamente cartas para Alice. Ela as lia, respondia, e aguardava a próxima. Adorava ler as palavras do amigo anônimo. Alice começou a criar esperanças, alguém podia gostar dela! Mas não. No dia em que combinaram de se encontrar, a menina ficou horas esperando-o numa praça, e ao final do dia apenas viu os meninos de sua classe. Rindo. Aí ela chorou.
Chorou e correu para casa. Se deitou na cama e fechou os olhos com força, querendo ir logo para seu mundo, onde alguém poderia consolá-la, mas Alice errou o caminho.
A tristeza era muito, maior ainda era a pressa de chegar ao seu destino. Pouca era a concentração, e ela caiu no mundo errado.
Uma grande placa dizia “Terra do Nunca”. As letras pareciam tristes. Tudo parecia feito de pedra, nada se movia. Pessoas, plantas e até mesmo o ar parecia uma estátua.
Alice começou a andar pelo lugar, tentando entender alguma coisa, encontrar algum ser vivo. Andou por horas, passou por florestas cinza, cidades cinza, rios cinza. Tudo feito de pedra.
Viu belas paisagens, apesar da pouca (ou nenhuma) vida. Campos cheios de flores, animais correndo sem sair do lugar, casais sentados sobre a relva. E nada tinha movimento ou cor. Nem mesmo a lua, que continuava parada, como se olhasse na cara de Alice e dissesse:
-Menina só, menina tola. Procura algo vivo e rosada numa cidade cinza e morta. Como é tola, tola...
Alice tampou os ouvidos, procurando o silencio. A lua não parava da falar. Alice não queria ouvir. Queria sair daquele lugar, queria acordar logo. E... E se ela não acordasse!? Alice pensava, aflita. Tudo estava mais real do que sempre esteve. Tudo estava mais real do que durante o dia.
-Ei, ei menina, calma. Você ta gritando alto demais. Pode acordar alguém.
Ela arregalou os olhos. Por um instante, Alice se sentiu feliz. Uma pessoa falava com ela! Mas essa felicidade não durou muito. Assim que se virou, ela se deparou com um pequeno ser, mas não uma pessoa. Tinha olhos grandes e asas. Alice se assustou, recuou um pouco. Quem ou o que quer que aquilo fosse poderia fazer coisas horríveis com ela. Ela tinha medo.
-Quem é você? O que quer? – Alice falou com um fio de voz.
-Quem é você? O que quer? – Respondeu o ser.
Alice ficou quieta, não se atrevia a fazer mais nenhum som.
-Está bem, eu respondo primeiro. Sou Arya. Te vi e fiquei curiosa. Só. Sua vez.
Hesitando, a garota respondeu.
-Sou Alice, e quero saber o que exatamente é você, e o que exatamente é esse lugar.
-O que sou eu? Que bobagem. Sou uma fada, oras! Nunca viu uma de nós por aí? E este lugar – Disse a fada, gesticulado ao seu redor – É a terra do nunca.
Alice fez cara de confusa, imitada por Arya. A fada pareceu ler seus pensamentos, e se colocou a explicar o porquê das estátuas.
-Na verdade são pessoas. Sempre que a lua aparece no céu, todos devem voltar à pose original e assim ficar, até o sol nascer.
-E porque você não fica assim?
-Alice, não está prestando atenção no que digo? Sou uma fada. Alias a única por aqui. Essas coisas bobas não me influenciam, esse lugar me cansa.
Alice assentiu. A fada continuou a falar e Alice assentia. Não entendia muita coisa, mas assim que Arya se levantou e começou a andar Alice a seguiu.
Juntas, andaram por horas dentro de um bosque. A fada falava enquanto a menina concordava, sem realmente prestar atenção. Alice tinha uma fome voraz por aquela bizarra paisagem. Quanto mais andavam, mais ela queria ver. E tanto andaram que um raio de sol saiu por de trás da montanha e tocou um galho da mais alta e mais velha das árvores do bosque.
-Ah, ah... Venha cá, menina sem asas. Tenho que lhe dar uma coisa.
Arya empurrou Alice na direção do velho tronco, que estendeu um galho e deixou que uma pedra reluzente, meio molhada, caísse nas mãos da menina.
-Essa pedra... Essa pedra. Me esqueci. Perdão menina, perdão.
A árvore voltou ao cinza. O sol se pôs no horizonte. A fada sumiu. E Alice não acordou.
17.7.09
Perdido
No dia seguinte, Seu Zé fumou charuto molhado no melhor whisky, arrumou vinte novas namoradas e cuidou de seu jardim. Vendeu a casa e comprou uma maior. Achou a vida que tinha perdido. E logo depois, por falta de graça, depressão ou até mesmo uma embriaguez, trocou a vida pela morte.
“Valia mais a pena”
13.7.09
Selos !
Regrinhas:
1)Falar o blog que te mandou:http://www.putzferrou.blogspot.com/ - Garota de all star ( muuuuito obrigada !)2) Responder as perguntas:
a) Falar cinco coisas que você JÁ mordeu:1- a Julênha 2 - Borracha 3 - O computador (não perguntou porque) 4 - O telefone 5 - O celularb)5 coisas que você NUNCA moderia: 1 - Meu cachorro 2 - Abacate 3 - Frutas de cera 4 - Cabelo 5 – Batom
c)5 coisas que você QUER morder:1 - Brendon Urie 2 - Rick Martin 3 - O burro 4 - Um colchonete 5- Nesse instante, um sushi
3) Repassar para 3 blogs:
http://www.sorvete-de-picles.blogspot.com/ - Caindo da arvore
http://www.refugiolilais.blogspot.com/ - Refugio LiLaís
http://www.pedacodeumcoracaoaleatorio.blogspot.com/ – Rabiscos
Regras do Seu blog é Roxie! a-d-o-r-e-i!:1ª- Exibir a imagem do selo "Seu blog é ROXIE!" e escrever essas regras abaixo dele.2ª- Colocar quem te deu o selo nos seus blogs indicados (amigos).3ª- Escrever 5 coisas que são ROXIE (1ª sobre música, 2ª sobre televisão e cinema, 3ª três países que gostaria de conhecer, 4ª três cores favoritas e 5ª três hobbies)4ª- Indicar 10 blogs que você ache ROXIE.5ª- Avise a pessoa que você indicou, deixando um comentário para ela
- Adoro músicas de bandas desconhecidas e conhecidas que exageram nos trabalhos com orquestras. Um exemplo: Beirut.
- Faz um super tempo que não assisto TV, tirando CSI (que é uma das melhores séries que tem). Quanto aos filmes, ultimamente tenho ido muito ao cinema, mas o que eu mais gostei nos últimos tempos eu assisti no DVD: Across the Universe, com a trilha do Beatles.
- Inglaterra, Suíça e... Nova Zelândia
- Verde, verde e verde!
- Ler, conversar e ouvir musica.
http://www.ateasduas.blogspot.com/ ; http://www.folhadotedio.blogspot.com/ ; http://www.maybememoriiies.blogspot.com/ ; http://www.umsolmaisfrio.blogspot.com/ ; http://www.capitch.blogspot.com/ ; http://www.ahoraandnow.blogspot.com/ ; http://www.omundodeanablogs.blogspot.com/ ; http://www.naminhaprateleira.blogspot.com/ ; www.cronicasdeumvazio.blogspot.com ; http://www.perguntasociosas.blogspot.com/
Regras: 1. Colocar o link de quem te indicou pro meme. 2. Escrever estas 5 regras antes do seu meme pra deixar a brincadeira mais clara. 3. Contar os 6 fatos aleatórios sobre você . 4. Indicar 6 blogueiros pra continuar a brincadeira. 5. Avisar para esses blogueiros que eles foram indicados.
1 – Não, não vou ter filhos
2 – Conheço o Zeca Camargo
3 – Amo uma Drag Queen
5 – Adoro dançar de um jeito que ninguém dança
6 – Odeio que fiquem roçando em mim.
http://www.maybememoriiies.blogspot.com/ ; www.cronicasdeumvazio.blogspot.com ; www.sorvete-de-picles.blogspot.com ; http://www.pedacodeumcoracaoaleatorio.blogspot.com/ ; http://www.refugiolilais.blogspot.com/ ; http://www.umsolmaisfrio.blogspot.com/
Pelos dois ultimos selos, obrigada Lais ! (LiLaís)
Purgatório
31.5.09
Quebra-Cabeça - Cap. 14
Sai do pequeno quarto e vi Nicolas no chão. Ele estava sentado, meio encolhido. Parecia uma criança perdida e cansada, que não tinha mais forças para correr procurando pela mãe.
-Venha Nicolas, levante-se. Você é forte. Mais forte que Destino. Podemos ganhar desse babaca... Só precisamos de um pouco de tempo.
Ele olhou pra mim sem muita confiança. Minhas palavras soaram falsas até mesmo para os meus ouvidos, mas eu acreditava nelas. Acreditava que, algum dia, conseguiria me livrar de Destino.
-Você está certa.
Nicolas disse isso decidido, o que me assustou um pouco. Parecia que ele realmente tinha acreditado no que eu dissera.
-Claro que irá demorar um pouco, e você terá que fazer o que ele mandar por certo tempo. Mas no final conseguiremos Íris. Juntos!
Quando ele terminou de falar, percebi que eu mesma estava me convencendo disso. Destino nos subestimava. Éramos muito mais fortes do que ele pensava.
-Destino deixou as primeiras instruções para você. – Nicolas não estava perguntando, mas, da mesma forma, assenti. – Certo, então iremos cumpri-la.
-Não.
Ele me olhou assustado.
-Não, Nicolas, eu irei. Você não pode me ajudar. Não dessa vez.
Ele olhou para ao chão, sério. Pensei que iria contestar. Falar que eu não era capaz de fazer isso sozinha.
-Está certo então. – Ele se levantou. – Vamos.
Nicolas andou até a porta da casa. Demorei alguns segundos, mas acabei fazendo o mesmo. Parei na entrada, ao seu lado. Ele me olhou e deu um longo suspiro. Abriu a porta e me puxou pela mão sala adentro.
A adaga, a foto e o quadro de horários ainda estavam no chão. Ironicamente, pensei que aquilo podia se comparar às armas do crime sendo esquecidas ao lado do corpo falecido, ou algo do tipo. Tudo parecia estranhamente mortal.
Nos sentamos, Nicolas estudando o quadro de horários. Enquanto lia o pequeno papel, ele fazia algo que eu amava: ia trocando de expressões. Ele se tornava apreensivo, triste, tenso, mal, como se trocasse de mascaras. Tudo isso lendo apenas os compromissos de um homem. Me fascinava.
-Droga Íris, é amanha. Teremos que fazer tudo muito rápido.
No momento em que Destino me entregou o papel, estava tão eufórica que não fui capaz de olhar a data. Puxei-o da mão de Nicolas e soltei um gemido de desespero.
Era no dia seguinte.
Olhei para ele, pedindo socorro. Eu não ia conseguir. Não dava. Tinha menos de 24 horas para me preparar, e ainda não tinha nem ideia do que preparar. Minha cabeça começou a doer, meus olhos ardiam. Eu não estava me aguentando dentro de mim.
-Íris, ÍRIS! Respira, caramba. Você tava começando a ficar vermelha. Não se desespera, ok? Eu te dou umas dicas, você realmente tem que fazer essas coisas sozinha. Agora vem cá, toma um copo d’água, e eu vou te explicar o que você tem que fazer. Ah, e vá se trocar, você precisa chamar menos atenção, vá vestir uma roupa preta, não sei.
Olhei para Nicolas e me levantei, relutante. Bebi a água rápido de mais, provocando soluços indesejáveis. Enchi o copo novamente, bebendo mais devagar na segunda vez.
Fechei os olhos e relaxei os todos os músculos do corpo. O mundo não estava acabando. Eu ainda tinha tempo. Eu tenho tempo. E vou aproveita-lo.
Abri os olhos mais segura. Nada podia dar errado.
Corri para o quarto para me trocar. Nicolas estava certo, uma assassina com um vestido amarelo seria meio ridícula. Peguei um moletom preto, jogado no chão, e o vesti junto com um par de jeans. Parecia mais uma mendiga do que assassina, mas acho que isso era parte do papel.
Em silencio, voltei para a sala. Nicolas estava olhando a adaga em silencio. Sorria enquanto alisava a arma com os dedos. Parecia se lembrar de uma piada antiga, de historias de família que guardamos para os netos. Ele sorria um sorriso que parecia velho, coberto de teias.
-Nicolas?
Ele se virou calmamente, me olhando nos olhos.
-Puxa, demorou hein. Vamos logo. Vai ser tudo bem fácil, no caminho te conto o que irá fazer.
Nicolas ia falando ao mesmo tempo em que colocava algumas coisas dentro de uma sacola, eu o observava, me perguntando se algum dia iria entendê-lo.
-Venha logo Íris! – Nicolas me gritava, já do lado de fora de casa.
Andei devagar. Cruzei a porta e olhei para a bicicleta. O céu estava escuro, devia ser quase meia noite. Estremeci. Não só pelo frio. Estremeci por tudo. O desconhecido me assustava.
Assim que subi na garupa da bicicleta, tentei ter uma ideia geral do que iria acontecer. Mas o futuro parecia mais com um quebra cabeça de mil peças, e todas elas desconhecidas para mim.
Borboletas se agitavam no meu estômago. Abracei Nicolas com força.
-Estou com medo.
-Não tenha medo – Ele me respondeu. – Nada vai dar errado.
Ele estava tão confiante. Eu pensava que, após aquela surra de Destino, Nicolas se tornaria um fracote covarde, mas não. Ele estava mais forte. Mais confiante. Uma nova fonte de energia jorrava sobre ele, que parecia emanar uma luz de tranquilidade e segurança.
Lembrei-me da mulher que ele escutara a voz. A tal ‘Vida’. Eu tinha pensado que era só imaginação dele. Só que Nicolas estava insanamente diferente. Aquela historia da ‘voz revigorante’ devia ser verdadeira.
Fechei meus olhos com força. Tinha que parar de pensar de mais. Tinha que me focar no que estava prestes a acontecer.
Respirei fundo e me lembrei dos meus meses de falso treinamento, imaginando se ainda sabia manipular uma arma.
Cerrei os punhos e respirei fundo. Nada vai dar errado.
26.5.09
Post de Aniversário
Bem, venho aqui pedir desculpas por demorar para postar o proximo capitulo, mas também para avisar que criei um novo blog: o festanalaje.blogspot.com
Sendo assim, este ficará especialmente para a postagem de minha historia, enquanto no outro vou falar sobre outras tantas coisas.
Grande abraço, e parabéns pra mim !
9.5.09
Gritos de Agonia - Cap.13
“-Eu tive que passar por isso, Nicolas! Passei por coisas muito piores! - Ele dizia, enquanto me levantava e me encostava em uma árvore. Me fazia encará-lo, mas eu não conseguia. Minha mente estava bagunçada, minha visão estava turva. Ele começou a bater no meu rosto.
“Me chamou de rebelde de novo, mas eu não conseguia nem mesmo perguntar o porque. Minha boca estava cheia de sangue. Eu já não enxergava mais nada, Íris. Só escutava. Escutava meus músculos gritando por piedade, berrando enquanto eram mutilados.
“Por um breve momento, Destino me olhou como se tivesse pena, como se estivesse repensando seus atos. Desviou seus olhos de mim por um momento. E aí eu fiz o pior.
“Estava perto de algumas árvores, precisava me esconder. Comecei a me apoiar nos troncos, tentando sair de vista daquele monstro. Idiotice minha.
“Destino reergueu seus olhos, me encarou. Riu como se tudo fosse uma piada.
“-Você acha mesmo que pode fugir de mim?! – Ele gritava, suas palavras se misturando aos meus gemidos de dor, enquanto ele me puxava pelos cabelos, na direção do centro da clareira. Senti ele arrancando metade do meu couro cabeludo.
“Eu não tinha mais certeza do que ele fazia. Podia senti-lo quebrando minhas pernas com chutes, enquanto na verdade ele estava me dando socos de fúria.
“Já não sentia mais nada. Só sentia dor, agonia. Respirava medo. E suava. Um suor frio, que caia em minhas feridas e fazia arder.
“Não sei porque, mas Destino resolveu parar de me bater. Sentou-se ao lado do meu corpo jogado no chão, me protegendo do sol que começava a surgir por entre as folhas das árvores, e se pôs a falar. Falou sozinho durante um longo tempo.
“Começou falando de mim. Foi me relembrando de toda a minha vida. Minha vida mesmo Íris, antes de ser apenas mais um dos ‘mensageiros do Destino’, ou seja lá o que somos. Assassinos, loucos. Sado masoquistas, talvez.
“Ele falava tudo o que eu passei anos tentando apagar da minha mente. Lembrou-me de minha família. De minha mãe, que fazia de tudo para nos sustentar. De meu pai, doente. Lembrou-me de meus irmãos, ah!, meus irmãos. Lembrou-me de todas as nossas aventuras.
“Tudo aquilo era uma tortura maior. Me lembrar do que eu tinha perdido doía mais do que qualquer real machucado que eu tinha naquele momento. Minhas entranhas começaram a chorar, já que meus olhos não eram mais capazes disso.
“Só que Destino contava de uma forma diferente. Ele contava como se todos ainda estivessem vivos. E como se ele fosse eu.
“Contou toda a minha vida fazendo com que ela parecesse uma mentira. Mentira, Íris, pois parecia que ele que tinha vivido por mim, e eu era apenas o telespectador.
“Uma brisa quente passou. Eu não escutava mais nada, Destino tinha parado de falar. Pensei que estava sozinho, mas não tinha escutado passos se afastando. Hesitava até mesmo ao pensar, com medo de qualquer coisa me perceber ali. O tempo não queria passar, a dor continuava. Parecia que algo me cutucava com uma agulha, cada centímetro do meu corpo latejando.
“Fiquei lá, esticado, com dor, por um longo tempo. Estava esperando que aquilo passasse. Tentava relaxar meus músculos.
“Aí eu escutei vozes Íris. E não era só Destino. Tinha uma voz feminina também. Parecia carinhosa, me acalmava. Eu queria poder vê-la. Seguir com ela para onde quer que fosse. Ela ria muito.
“Acho que se não fosse a voz da mulher, eu entraria em desespero. Mas continuei no chão, sem me mexer, evitando respirar.
“Eles falavam rápido, sobre algo que eu não entendia. Destino falou sobre um homem, mas ela parecia não prestar atenção. Destino gritou com a mulher, e ela apenas riu. Falou que ele não aproveitava a vida. Quando ela falou isso, senti uma luz. Aquela mulher era a Vida, Íris. Tinha que ser.
“Destino resmungou mais um pouco, ela disse um horário. Ele concordou.
“A mulher continuou falando. Ela cantava. Mas sua voz foi se distanciando. Pensei que eles já tinham saído. Infelizmente, estava enganado. Destino ainda estava lá. Mas ficou pouco. Ficou o suficiente para me chutar nas costelas novamente, e sair, murmurrando alguns xingamentos.
“Aquilo doeu Íris, mais do que eu esperava. Mas eu tinha relaxado meu corpo, acho que a voz da mulher me ajudou.
“Fiquei deitado mais um tempo. Eu já não tinha mais pressa. Lembrei-me da voz, me senti bem. Com dor, mas bem. Eu precisava escutá-la de novo. Isso que me deu a força necessária para me arrastar de volta.
“Eu segui o rastro dos sussurros da mulher. Tentei sentir o cheiro de seu som. E senti que estava no caminho de casa. Não sei como, mas senti. E aí eu cheguei até você Íris. Eu consegui."
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Indico Last Of The English Roses, música de um ex-Libertines e ex da Kate Moss. Falo de Pete Doherty, com sua voz meio arrastada, olheiras, drogas e um som agradável a todos os gostos.