17.4.11

Amanhã

Hoje eu te amo menos do que eu te amava ontem.


Hoje eu sou mais eu.


Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.


São nesses raros instantes, nesse meio tempo em que meus olhos se reacostumam à luz de fora da sala de cinema, raros instantes em que realmente enxergo a realidade.


Ontem eu não fui ao cinema.


Ontem foi aquela época em que eu sorria ingênua às pragas no jardim. Quando eu dizia para você sorrir, "só porque estou pensando em ti". E pensando em ti eu via claramente aqueles dias na praia em que corríamos de mãos dadas, e quando fingíamos não nos conhecer só para poder fazer todo aquele jogo idiota de sedução, desarmados de nossas armaduras invisíveis, amados por completo, e eu, completamente sua naquele abraço que eu imaginava ser o único.


Para sempre.


Ontem era para sempre.


Como Cinderela e diamante, para sempre juntos, pois não importam seus defeitos, não! Não ligo se pela manhã você fede ou se não gosta do jeito que gosto do meu cabelo. Ignoro o fato de que já sofri de dores e horrores em suas mãos. Pois nos amamos e é isso que importa, e mesmo quando você abre a boca e lança ao ar o seu discurso grosso feito de palavras duras, eu quero é que você me inspire e não expire nunca mais, deixe-me presa em seu interior, achando que te conheço de verdade.


E percorrendo suas entranhas, aí eu sei, que quando longe você é assim, não como você perto, diferente, menos interessante, mais esperto, mais misterioso, menos cruel, mas de que importa, se isso é só quando está longe, e, mesmo assim, ontem nunca estaria longe, ontem éramos um, duas metades feitas cada qual do seu tipo de matéria corrompida, com sua necessidade absurda de ser completa pela outra.


Ontem eu te amava imensamente.


Mas ontem eu não disse que te amava. E você não disse a mim.


Hoje eu saí do cinema.


Saí e percebi as pragas que corroíam o jardim, os tropeços que dávamos enquanto corríamos pela praia, e as falas que errávamos ao tentar convencer um ao outro em nosso jogo idiota de sedução. E como às vezes o seu abraço sufocava e doía.


São aquelas cicatrizes (comemoremos, já não são mais feridas abertas!) imperfeitas, arroxeadas, tristes, ásperas sobre a pele fina, aquelas cicatrizes que ficam visíveis nessa transição do escuro para o claro. E com a visão mais clara, eu vejo a realidade.


Hoje o para sempre não existe.


Vendo a realidade, eu entro em choque. E eu quero que você me expire de volta, logo, por favor, para que eu possa ficar sozinha pelos cantos, aceitando que nada disso existe. Que ninguém sorri com o mau hálito pela manhã. Aquelas promessas representadas por farsantes impostores, aqueles perdões imperdoáveis, aqueles beijos de reconciliação. O ser único composto por dois corpos distintos, o casal. Não existe.


Hoje eu sou mais eu.


Hoje eu te amo menos do que eu te amava ontem.


Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.


Mas amanhã estarei à espera do seu convite para darmos um passeio pela praia.