8.4.12

Caixas de papelão e lacres

Caros leitores (antigos e novos que ainda visitam este blog),

Saí da avenida vinte e dois. Seu movimento inconstante e constantes engarrafamentos me sufocaram. Mudei-me para dosfatos.
Isso mesmo. Pois agora somente fatos singulares me importam. Não necessitam de lugar.
Aqui vai a via de transporte: www.dosfatos.blogspot.com

Espero que apreciem a mudança.

Com carinho,
a nova Eu

13.8.11

A Alma


Uma alma infeliz me habita. São noites longas ao lado de um estranho que se ocupa de todo o meu espaço, apertando meu peito com força, partindo minhas costelas e juntando-as em mosaicos.
Tudo o que eu amo foi embora.
E quando o vazio se apoderou de mim, tão vazio ficou, que bateu à minha porta essa pobre alma. Acolhi-a sem pressa, deixando que se alastrasse por aí, afogando todas as quinas, ocupando todas as frestas, tapando os meus buracos. Foi assim que a alma chegou.
De repente, eu não estava vazia mais. Estava cheia. Inundada.
Passei a andar durante a noite pelas ruas escuras sentindo o silêncio na pele. Na mesma pele que era a pele da alma. Meus passos ecoavam nas paredes úmidas. Eu não andava sozinha. Tinha agora esse ser que zelava por mim. E isso não me deixava menos infeliz.
Depois de um tempo, eu já não precisava mais sair de casa. Eu não precisava mais sair do meu quarto. Porque a alma cuidava de mim.
Trazia-me caldos com sabor de solidão, que apertavam ainda mais o nó que a alma havia dado em mim.
Nessa época, eu ainda pensava às vezes. Sim.
Tudo o que eu amo foi embora.
E a alma respondia.
Sim, foi embora. Mas agora eu estou aqui, e pretendo ficar aqui, com você, para sempre.
Que a alma ficasse, eu nunca quis. Mas eu não via modos de mandá-la embora. Sempre que eu tentava me desprender dos cobertores que ela colocava sobre o meu corpo abatido, novos cobertores apareciam, e eu acabava sufocada, cansada de tentar. E desistia.
Um dia eu decidi que a casa era minha e o corpo era meu. Decidi isso depois que vi uma escova de dentes que não era minha sobre a pia do banheiro.
Alma, retire-se daqui!
E aquela gárgola perversa se retirou deixando-me no vazio novamente.
O que eu não percebi foi que, no vazio, ela se multiplicava, depravada, e me envolvia de uma forma descontrolada, entrando pelo meu peito e embaçando meus olhos.
Deitada na cama ao lado daquela alma escorregadia durante todos os dias da minha vida. Era assim o futuro que me aguardava.
O sol podia brilhar do lado de fora da janela, mas no meu vidro só respingavam gotas prosaicas, dia e noite.
Já desisti de me livrar da alma. Ela me convenceu de que sou fraca demais para me virar sozinha.

17.4.11

Amanhã

Hoje eu te amo menos do que eu te amava ontem.


Hoje eu sou mais eu.


Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.


São nesses raros instantes, nesse meio tempo em que meus olhos se reacostumam à luz de fora da sala de cinema, raros instantes em que realmente enxergo a realidade.


Ontem eu não fui ao cinema.


Ontem foi aquela época em que eu sorria ingênua às pragas no jardim. Quando eu dizia para você sorrir, "só porque estou pensando em ti". E pensando em ti eu via claramente aqueles dias na praia em que corríamos de mãos dadas, e quando fingíamos não nos conhecer só para poder fazer todo aquele jogo idiota de sedução, desarmados de nossas armaduras invisíveis, amados por completo, e eu, completamente sua naquele abraço que eu imaginava ser o único.


Para sempre.


Ontem era para sempre.


Como Cinderela e diamante, para sempre juntos, pois não importam seus defeitos, não! Não ligo se pela manhã você fede ou se não gosta do jeito que gosto do meu cabelo. Ignoro o fato de que já sofri de dores e horrores em suas mãos. Pois nos amamos e é isso que importa, e mesmo quando você abre a boca e lança ao ar o seu discurso grosso feito de palavras duras, eu quero é que você me inspire e não expire nunca mais, deixe-me presa em seu interior, achando que te conheço de verdade.


E percorrendo suas entranhas, aí eu sei, que quando longe você é assim, não como você perto, diferente, menos interessante, mais esperto, mais misterioso, menos cruel, mas de que importa, se isso é só quando está longe, e, mesmo assim, ontem nunca estaria longe, ontem éramos um, duas metades feitas cada qual do seu tipo de matéria corrompida, com sua necessidade absurda de ser completa pela outra.


Ontem eu te amava imensamente.


Mas ontem eu não disse que te amava. E você não disse a mim.


Hoje eu saí do cinema.


Saí e percebi as pragas que corroíam o jardim, os tropeços que dávamos enquanto corríamos pela praia, e as falas que errávamos ao tentar convencer um ao outro em nosso jogo idiota de sedução. E como às vezes o seu abraço sufocava e doía.


São aquelas cicatrizes (comemoremos, já não são mais feridas abertas!) imperfeitas, arroxeadas, tristes, ásperas sobre a pele fina, aquelas cicatrizes que ficam visíveis nessa transição do escuro para o claro. E com a visão mais clara, eu vejo a realidade.


Hoje o para sempre não existe.


Vendo a realidade, eu entro em choque. E eu quero que você me expire de volta, logo, por favor, para que eu possa ficar sozinha pelos cantos, aceitando que nada disso existe. Que ninguém sorri com o mau hálito pela manhã. Aquelas promessas representadas por farsantes impostores, aqueles perdões imperdoáveis, aqueles beijos de reconciliação. O ser único composto por dois corpos distintos, o casal. Não existe.


Hoje eu sou mais eu.


Hoje eu te amo menos do que eu te amava ontem.


Porque eu não te amo sempre a mesma coisa.


Mas amanhã estarei à espera do seu convite para darmos um passeio pela praia.


9.3.11

Devaneio Bucólico


Você

Em sua massa, densidade e conteúdo

Se resume em todos os meus clichés

(pausa)

Te abraço apertado a evitar frestas

Meu amor por ti transborda

Aflora

Afora o tudo, me acorda em manhãs sutis

Com o perfume de flores da cor do vento

Tu és o meu maior bem

O mais puro sentimento

E fico contente só de ter o teu cheiro

Somente teu

Preso àquele lenço que já nem cheira mais

E teu sorriso bobo

Que me acalenta sob o sereno

Ou o orvalho

Seja o que for!

Chuva de amor

Quando olhas para mim

Me pego tremendo

E parto pro abraço

Tenho-te em laço

Enlaçado

E em claro

Passo as noites em que tu não estás

A contar números e seus radicais

A sonhar, lembrar, prender e defenestrar

Prendo a respiração

E aí tu vens

Como que sempre tivesse estado

E me amparas em teus braços

Brincas com meus cabelos

E fazes graça de minhas saudades

Me levas embora com pressa e,

no caminho,

Me dizes em teu velho tom casual

Que me amas

Que me amas

Depois já nem sei mais

Fecho os olhos

Cruzo os dedos

E que assim sejamos,

eu desejo,

até o fim dos tempos.

12.1.11

Paixão Gourmet

Eu te quero
Te devoro
Tenho fome
Te engulo
Me degluta
Saboreie
Salpicão soturno
Sinto o seu aroma
Sinta o meu
Ao ponto
Agora te quero flambado
Dê-me a pimenta do reino
Picado
Fatiado
Quero te degustar por inteiro
Ao dente
Ardente
Satisfaça-me com toda a sua
Festa de novos sabores

31.12.10

Conto de Ano Novo


Dez minutos para a meia noite.

A champagne esquentava na taça de Pietro.

Ele estava sentado à mesa da sala de jantar.

Ele estava só.

Olhava pela janela a movimentação das pessoas que corriam nas ruas à procura de terminar de fazer o que começaram antes. Pessoas à procura de dar um significado ao seu ano vazio. Pessoas com objetivos incompletos. Inacabadas.

Tudo passa.

Até a uva-passa.

Pietro riu de sua própria piada. Ninguém mais achou graça.

Não havia mais ninguém na sala.

Nove minutos para meia noite.

Pietro terminou sua taça e deixou-a vazia sobre a mesa.

Começou a pensar no seu ano.

Um desavisado estourou um foguete antes da hora.

Que compre um relógio.

Seu ano.

Pietro se lembrou das pessoas inacabadas.

Pietro não era inacabado.

Ele não tinha nem objetivos para serem incompletos.

Oito minutos para a meia noite.

Seu ano.

Pietro tinha um bom emprego numa firma de computadores. Nunca levara um esporro do chefe. Nunca recebera elogios do chefe. Na verdade, Pietro nem sequer sabia como era o rosto do chefe. Ele chegava na hora certa. Dava bom dia para o segurança. Sentava no seu cubículo. E saía as seis da tarde. Segundas as sextas.

Pietro não tinha necessidade de sexo. Não comprava revistas pornográficas. Não ligava para os telefones que lhe eram entregues.

Pietro não tinha pessoas em suas vidas. Talvez uma vez por mês sua mãe o ligasse. Mas não falavam por mais de cinco minutos. Talvez um colega o chamasse para um bar. Mas Pietro tinha seus próprios compromissos.

Pietro não tinha hobbies. A não ser um.

Sete minutos para a meia noite.

O interfone tocou.

O porteiro anuncia a chegada de Luciene.

Pietro diz que é engano. Não tem festa na sua casa.

Nem hoje nem nunca.

Mas o porteiro é velho e começa a resmungar com sua voz de velho no interfone.

Pietro desliga.

Pega a garrafa de champagne que descança na geladeira.

A não ser um.

Seis minutos para a meia noite.

Pietro coleciona acasos.

Acasos que geram acasos e, depois, geram um fim.

Essa era a única paixão de Pietro: o Fim.

Ele serviu o resto de champagne na sua taça.

Observou o gás formar pequenas bolhas nas paredes de vidro.

Cinco minutos para a meia noite.

Um exemplo de acaso: uma vez, no ônibus, uma velha com asma deixou cair sua bombinha de ar. Por acaso, Pietro a encontrou. Por acaso, ele a pegou. Por acaso, a velha começou a ter uma crise asmática.

O fim: ela morreu.

Outro exemplo de acaso: Pietro recebeu a correspondência errada. Por acaso, ela indicava lugar e hora para certo homem entregar certa mercadoria. Por acaso, Pietro não devolveu a correspondência. Por acaso, o certo homem não apareceu.

O fim: ele morreu.

Quatro minutos para meia noite.

Pietro precisou ir ao banheiro.

Líquidos geram líquidos, e o fim é a descarga.

Três minutos para a meia noite.

O interfone toca novamente.

O porteiro anuncia a chegada de Maria e Laura.

Acasos.

Pietro manda-as subir.

Ele abre a gaveta da cozinha e estremece.

A noite promete.

Dois minutos para a meia noite.

Toca a campainha.

Está aberta!

As duas moças entram.

Alguns fogos já estouram no céu.

Pietro corta a garganta das duas.

Um minuto para a meia noite.

A faca já está limpa e dentro da gaveta.

As duas moças estão sentadas no sofá, imóveis.

Pietro está sorrindo olhando pela janela.

Termina de beber sua taça.

Meia noite.

Ele brinda com as moças.

E viva o ano novo!

11.12.10

Secreções desgostosas prazerosas em meu ser


Palavras vomitadas no escuro da noite me consomem. Sinto nojo quando a gosma fétida me encosta. Meu reduto particular é tomado pelo cheiro nauseante. O desespero em minha cabeça sufoca e tortura. Não sei mais onde estou e nem o que quero, desconheço minhas razões e os objetivos aos quais me prendo. Apenas sei de ti, e nós, e as palavras que me mantém acordada neste meu momento que antigamente eu chamava de paz.

Mas de ti e nós não sei mais é de nada. E esse vômito que agora me cobre é feito só de águas passadas. O movimento dos moinhos no horizonte já me é entediante. O barulho do vento não assusta mais. Às vezes eu via reflexos à janela e me punha curiosa a observá-los. Agora quero desvendá-los. Atraí-los com pseudo-iscas para a minha armadilha espectral.

Podia muito bem levantar-me e pegar um balde para limpar o chão. Entrar na ducha fria para me purificar. Mas, ao contrário, sinto-me atraída pelo desgosto. Quero mesmo é que esse vômito nostálgico me cubra por inteiro e me afogue em seu querer de agora sei o que ali havia. Penso que se talvez o cultivasse e vomitasse uma vez por noite, o passado, querido e amado, confortaria as almas penadas, sujas e solitárias, que agora vagueiam pelos meus corredores internos a sussurrar nadas ao vácuo em busca de informações que na verdade evitam. Almas masoquistas.

O barulho que o relógio faz me acorda. As palavras que já estão fora do meu ser rodopiam pelo ambiente que não sei nomear mais. Palavras carregam nada mais que simplesmente o que elas querem te dizer. Elas só mostram o que elas querem que você veja. As palavras que eu expeli sempre se dividiram em dois grupos: as cheias de pudores que se juntavam em grupos, aos cantos, e as vulgares. As vulgares se desnudavam diante de todos os olhos, até mesmo dos mais crentes, querendo mostrar tudo o que tinham. Mostravam-se sozinhas, melhores que as outras. Elas sempre eram um pouco mais do que diziam ser, e queriam porque queriam mostrar isso.

Tic Tac Tic Tac.

Vomitei de novo.

Agora acordada.

Normalmente eu vomitava ao me deitar na cama. Antes do repouso total e absoluto (aquele que quando ingênua eu chamava de paz), punha-me a pensar e pensar e pensar e pensar e pensar. Criava situações utópicas para me entreter no que seria uma pretidão sem tempos. Uma coma temporária. E ao criá-las e recriá-las descobri que na verdade eu somente remontava tudo aquilo que já havia de certa forma vivido. Ignorava o recente, pois o recente sai de moda mais rápido. E o recente é aquilo que não gosto mais. Sou uma alma velha. Gosto dos antigamentes.

30.11.10

Sortudo é o Peixe



Queria eu ser como o peixe
E ter memória de 15 segundos
Sempre a nadar no infinito
Sempre a desconhecer o mundo

Queria eu ser como o peixe
Que toda vez que o mundano acontece
Ele vê como novidade
E logo depois, esquece

Queria eu ser como o peixe
Que não se lembra de horários
Não se importa com datas
E muito menos com as chaves do carro

Queria eu amar como o peixe:
A cada 15 segundos
Te amo de novo
E de novo e novo

Queria eu desamar como o peixe:
A cada 15 segundos
Não se lembra dos outros 15
Que, cego, desperdiçou

5.11.10

Mergulho


Sentei na areia daquela praia que guardava os segredos da minha infância. Quinze longos anos já tinham se passado desde a ultima vez que eu andara pela orla que agora abrigava rostos estranhos e algumas comerciais. Aquele vendedor de doces não estava mais ali, nem seu sorriso pálido ou suas palavras acolhedoras. Sua alma agora devia vagar por lugares desconhecidos e, provavelmente, melhores que aquela costa que agora não se importava em costa ser mais.
A areia úmida fez-se de objeto único, fez-se de cama para mim, que já não tinha mais nada, nem apoio, nem morada, e nela eu fiquei por longo tempo, indeterminado e necessário, a ver vida passar andando, o ar molhadamente salgado como se tivesse acabado de nadar no oceano que a frente se deitava, só.
O mar me intrigava. Se não fosse eu, mulher solitária sentada na areia a pensar, seria mar imensidão de agua só a nadar em mim e a me conhecer sem espantos mas com espasmos orgásticos de curiosidade e afeição.
Fechei meus olhos cegos, acostumados somente com o material e fútil, e, sentada, pus-me a escutar o cântico entoado pelas ondas. Sentada e sem ver. Somente a ouvir. E o mar falava. Sussurrava em meu ouvido segredos de seus caros amigos, casos de vidas alheias, receitas e almas perdidas. Falavam também de suicidas, brigas e novidades, comentou algumas saudades, algumas memórias, contou-me histórias, seus frios e tenros amores, todas as ânsias e dores, desejos profundos, sonhos e cantigas.
Quando dei por mim, não me dei. Não era mais eu a escutar. Agora era eu que falava, com a voz toda encharcada. E eu sentia que crescia, expandia, tomava-me por um espaço que já não era mais eu, e sim o infinito.
Agora eu era o mar. Oceano azul-verde-cinza, de humores e mágoas, de liberdades. Eu era o mar. Era o poder. E, enfim, percebi que vivia

23.9.10

Agendas



Ontem abri minha agenda para checar meus afazeres. Passei, sem paciência, aquelas páginas rabiscadas de um antigamente recente. Cheguei no hoje e percebi, meu deus!, o quão pouco faltava para o fim. Como tudo tinha passado. Como o seu aniversário estava chegando. Mais três capítulos e acabava aquela pseudo agenda pessimamente utilizada.
Sentei-me na cama com dores nas costas, a velhice precoce me matando. O peso do tempo se repousando na memória. Contei nos dedos: dois dias para a primavera.
Peguei novamente a agenda, dessa vez por vontade de análise. Desde o começo do ano, resoluções incompletas, alguns vários deveres sem término. Tudo inacabado. Menos a agenda. E mesmo contra a minha vontade, o tempo passava e, ao seu tempo, a agenda acabava.
Eu também acabava. Não meus textos e pinturas, mas sim meus desejos e crenças. Me achava crescida. Pronta. Que já sabia de tudo e não precisava mais da sua ajuda. Mal sabia eu que não era bem assim. Não sabia nem mesmo cultivar uma agenda para que ela florescesse saudável na primavera.
Vi o cachorro deitado no chão, a fumaça do incenso subindo, fazendo desenhos e contornos do nonsense. Seria agora tarde demais?
Dois dias para a primavera. Três capítulos para o fim de já. Mas não seria hoje o começo do fim de tudo? Ó, tormento! Tudo o que eu precisava era de uma noite de sono, e não de mais afazeres para o dia de amanha.
Anotei na agenda, com pressa, no primeiro dia de primavera: "Faça valer a pena". Recostei a cabeça e esperei o sono vir, rezando para não esquecer de checar a agenda no dia certo.
Acordei pensando que seu aniversário chegava. Assim como o fim. Os dias passam. E a agenda, ela está logo ali.

18.9.10

Criação Conjunta

Por ti ser
cortiça
que espicha
espreme
esfrega
escreve na cara
a espera dos
esporos entre
os poros
em nossos
porões absolutos.

VÁCUO


Lenora Rohlfs e Erika Rohlfs

10.7.10

Fantasias


Primeiro, havia apenas eu. Era um campo verde, com um lago cinza e uma casa. E, em minhas mãos, uma caixa.
Depois, haviam palhaços. E os palhaços me puxaram, empurraram, estiraram, dobraram, cortaram, pintaram e mudaram até que eu me parecesse com eles. Em minhas mãos, repousava a caixa, suave e fria.
Ela era de madeira talhada, com curvas e desenhos de sonhos e desejos matinais, levemente pesada, com um cadeado de bronze. A caixa estava trancada, e se recusava a me contar que segredos guardava.
Os palhaços, delicados como palhaços devem ser quando não prezam pela delicadeza, esticaram suas mãos enluvadas em minha direção e, ao som de uma marcha fúnebre, guiaram-me para a casa. Relutei, gigantesca era minha insegurança, e, apesar de minhas suplicas, percebi-me no interior da construção ao fim da musica.
Agora, não é pertinente lembrar o aspecto da casa. Nunca será. Apenas seu fedor mórbido que até hoje me apanha em momentos de guarda baixa ou embriaguez. O horror que se atulha em meus pulmões é imenso, e sufoca, rápido, sem pena de todo o meu sofrer.
A atmosfera da casa aos poucos se foi e novamente lá estava eu, no campo verde. Nada em minhas mãos. Senti-me mais vazia do que a caixa sem seu valioso segredo. Mas um estrondo encheu meus ouvidos e, no mesmo instante, a casa partiu-se ao meio, as paredes de mármore se desfazendo como se fossem papel. E, quando o barulho silenciou, o lago cinzento engoliu os restos da casa, não deixando ali mais nada além de sua cinzentisse.
Sentei-me no chão, oca. Para mim, não havia mais nada, pois, até aquele momento, a caixa era a razão de tudo, e não havia mais o que fazer, pois, mesmo tendo tudo, eu não tinha a razão.
Foi então que ouvi -não sei como, mas ouvi- passos macios sobre a relva, passos leves e dançantes, quase sobrenaturais. Levantei meus olhos com certo atrevimento, e a imagem que presenciei foi surpreendente.
Uma bailarina, vestida toda de branco, dançava pelo campo com uma melodia silenciosa guiando seus pés. Envolta em tecidos que se ondulavam quase líquidos, ela se deslocava em minha direção, descrevendo longos e complicados movimentos, olhos fechados, confiança no vento.
"Porque vestes essa fantasia estúpida de palhaço?"
A frase dita pelo corpo dançante pairou no ar por um momento. Porque mesmo que eu me fantasiava daquela maneira? Não me lembrava. Não havia razão. Onde esta a razão?
"Não sei"
E a bailarina me puxou pelo braço, e logo eu também dançava como ela, não tão graciosa, mas, ainda assim, suave, dançando sem razão ou rumo em uma harmonia sem fim.
Por horas a fio a dançar, achava que para sempre assim viveria, sem mira certa, causa ou justificação, apenas a me repousar sobre o bailado sem sentido.
O fim da harmonia chegou. E, com ele, o abrimento de meus olhos já desacostumados com a luz. Um brilho amarelo iluminava a sala, mas não era o sol.
Passado tempo de desconforto, reconheci, à frente, uma plateia. Sob meus pés, um palco.
Holofotes velhos se penduravam no teto, atirando seus raios sujos sobre mim. Na plateia, haviam milhares de pessoas. Todas elas iguais e, ao mesmo tempo, extremamente diferentes. Demorei-me no rosto de cada um, e cada rosto, tão parecido, me passava uma sensação tão diferente do anterior. Todas sensações distintas. Nem todas boas. A maioria ruim.
Um ruído estranho saiu da coxia, avisando a entrada da Bailarina no palco.
A Bailarina mantia suas mãos nas costas, escondendo algo, e sorriu (sorriu daquela forma que só as bailarinas sorriem).
Estendeu as mãos e, nelas, segurava a minha caixa, dessa vez sem cadeado, pronta para mostrar o que guardava e acabar com o vácuo que me habitava há tanto tempo. E a Bailarina abriu a caixa. E eu pude ver o que, com tanto cuidado, ela escondia.
Então, a Bailarina se transformou em uma Bruxa Má e sorriu novamente (sorriu daquela forma que só as bruxas más sorriem).
E, com uma adaga, a Bruxa Má apunhalou o segredo da caixa.

24.5.10

O céu, o outono, o homem e a mulher


Havia um banco. Um banco branco. Um banco branco, grande, de granito, frio, feio, triste e sozinho, no meio da praça. Sobre o banco, havia um homem. Sob o homem, havia um banco.
O homem era alto e magro, e, sob os cabelos encaracolados, seus olhos estavam fixos em um jornal. O homem lia.
Por uma porta de madeira (que separava aquele mundo real do imaginário), entrou a mulher. E, junto da mulher, sem convite, entrou a brisa musical do outono que se despia de suas folhas secas e mortas.
A mulher era ela, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, era apenas ela, mulher, mente e alma. Trazia consigo uma musica, e, com ela, o mundo dançava.
A mulher, harmoniosa em si, sentou-se no banco branco ao lado do homem que lia o jornal.
O céu, acima das cabeças do homem, da mulher e da frieza do banco, olhava para baixo, acolhedor em seus leves tons pasteis. Era azul e amarelo, era um céu de outono que alegrava o coração da mulher.
Tem coisa mais bela e perfeita que o céu? Ele é por ser. Não se compara, simplesmente é.
E o homem olhou para a mulher, enfeitiçado pelos seus pensamentos alheios.
E a mulher olhou para o homem, curiosa em sua estampa.
E enquanto ambos se contemplavam, uma águia viril entrou pela porta. A porta caiu, a musica se esvaiu, o outono se foi.
Todas as coisas mais belas daquela manhã de maio se esconderam em suas tocas, mas o céu por lá ficou, em sua magnitude, sereno. Ele foi o único que percebeu.
Envoltos pelos ventos cortantes que chegavam com pressa, a mulher e o homem continuavam a se encarar. Vez ou outra, a mulher murmurava uma melodia de verão. E o homem sorria um pouco mais.
Passaram-se mais três estações, até as primeiras palavras ditas, estilhaçando o silencio em pequenos cacos de saudade.
E a mulher e o homem conversaram por alguns minutos até começar a chover. O homem virou-se e foi embora, protegendo-se com o jornal. A mulher por lá ficou, observando os lamentos do choro do céu a presenciar mais um final infeliz.

6.4.10

Ódio

Eu odeio o seu jeito de sorrir. Odeio o seu canino pontudo e o som de sua gargalhada.
Odeio suas piadas.
Risadas.
De péssimo gosto.
Odeio o seu mau gosto. Odeio o jeito que você combina verde com laranja. E as estampas.
Odeio seus sapatos velhos.
Eles fedem.
Eu odeio seus cílios longos e negros. Odeio seu olhar indecifrável.
Pistas que nunca acho.
Enigmas.
Odeio seu cheiro de não-sei-o-que. Odeio seu hálito.
Me da enjoo.
Náuseas.
Odeio suas palavras. Odeio o jeito como você sabe escolhe-las a dedo. Odeio seu jeito de falar.
Odeio quando você me faz pensar.
Pensar sobre nós.
Sobre mim.
Amar.
Odeio quando você me faz de idiota. Odeio quando eu tropeço e você ri. Odeio quando você mente.
Doí muito.
Odeio quando você me faz de inteligente. Odeio quando você me ajuda a levantar. Odeio quando você pede desculpas.
Doí muito.
Odeio quando você me faz acreditar.
Esperanças.
Odeio o seu cabelo bagunçado pelo vento. O brilho dos seus olhos olhando a lua. A chuva pingando em seu rosto.
Odeio o seu tique de ficar mordendo a boca. De mexer a cabeça.
Já falei do seu riso?
Odeio ele.
Odeio quando você ri e só para quando olha pra mim. Odeio ver você serio. Odeio quando você esta certo.
É patético.
Odeio suas promessas impossíveis, suas historias encantadoras, seus sonhos inventados e sua imaginação.
Odeio seus amores de verão.
Bobos.
Odeio essa sua forma de ver o mundo por um lado bom.
Otimista demais.
Odeio essa sua forma de ver como tudo esta acabando.
Pessimista demais.
Odeio seus extremos.
Odeio suas viagens infinitas. Odeio as lembranças que traz. Odeio quando você diz que eu sou sua paz.
Odeio seu rosto angular. Suas mãos que nunca me tocam. Seu som.
Odeio o seu gosto musical tão parecido com o meu. Odeio os seus filmes favoritos.
Principalmente as atrizes. Odeio a Megan Fox.
Odeio o seu jeito de odiá-la também.
Odeio quando me compara às outras. Odeio quando faz com que eu me sinta especial. Odeio a sua atenção.
Não entendo.
Odeio quando você não me responde. Quando você não pergunta. Odeio você, alheio.
Passageiro.
Odeio ter que te dar oi primeiro. Odeio quando você responde. E odeio quando você puxa assunto.
Odeio suas coleções. Seus cuidados. Seu prato favorito. Suas ânsias.
Odeio distancias.


20.3.10

Adeus, Aurora


A casa era arejada. Vasos de planta por todos os lados, janelas abertas e uma porta de vidro separando a sala de estar do quintal. Não era o cenário perfeito para o que ela estava prestes a fazer. Aurora, definitivamente, preferiria uma casa tenebrosa ou um apartamento luxuoso - uma coisa mais dramática, cinematográfica. Mas ela simplesmente não tinha escolha. Era um daqueles momentos que, se ela resolvesse esperar até o dia seguinte, nunca aconteceria. Agora ou nunca.
O que ela faria seria considerado, no mínimo, exagerado. Chocaria os vizinhos, muitos diriam ser um ato insano. Poderia, até mesmo, sair em algumas manchetes. E, com sorte, todos esqueceriam em questão de semanas.
"Por que, por que? Ele não podia... Não podia!". Entre lágrimas, essas eram as palavras que Aurora repetia enquanto quebrava os vasos e a terra se espalhava pelo chão.
"Ele" era Benjamin. "Ele" era inseguro. "Ele" dera a ela os momentos mais lindos de sua vida. E "Ele" foi embora. Foi embora por medo de se apaixonar.
Aurora não conseguia - e não queria - entender. Medo de se apaixonar? Um idiota. Era isso que "Ele" era. E quando ela colocou o dedo no gatilho da pistola automática, o viu. Devia ser um truque de sua mente para deixar tudo mais difícil. Mas ignorou. E atirou. E enquanto caía, ouviu um último grito. Tudo ficou escuro e Aurora, vazia, no chão.
Agora "Ele" jazia, a chorar, sobre o corpo de Aurora, com uma rosa se despedaçando em sua mão.

17.2.10

Marie

Quando saiu de casa, Marie estava linda. Linda e inteira. Marie sempre saia de casa assim. Mas nem sempre voltava.
As pernas longas cobertas por uma meia fina e a sapatilha barulhenta desceram as escadas do terceiro andar com pressa, sem esperar a manga do vestido ser ajeitada sobre os braços ou o batom ser colocado nos lábios.
-Táxi, táxi! - Três carros pararam. Um deles, nem táxi era.
Como de praxe, Marie chegou um par de horas atrasada. Entrou na festa e pegou o primeiro copo de bebida discretamente. Sentou-se em uma mesa de amigos e conversou durante o segundo, terceiro e quarto copos. No quinto, se levantou para trocar de pessoas. Essa era Marie, trocava de pessoas sempre que lhe era conveniente.
Um par de olhos azuis e sorriso faiscante (extremamente convenientes) chamaram sua atenção do outro lado do salão. Marie se dirigiu à mesa desconhecida preocupando-se somente com o batom.
E na nova mesa, mais cinco copos foram esvaziados, gargalhadas foram dadas, um amigo do jardim de infância foi encontrado e ficou intima de 7 outras pessoas (dentre elas, o dono dos olhos azuis).
Descobriu que o nome dele era Louie e tinha 29 anos, era dono do Smart vermelho estacionado na porta, mas no verão usava sua Vespa de estimação. Morava sozinho em um apartamento de dois quartos, tocava piano e violão, gostava de cachorros, viajar e sushi e estava com os olhos em Marie desde seu terceiro copo.
A ultima parte chegou aos ouvidos de Marie através de cochichos. E logo que chegou, ela abriu um sorriso mais que convidativo para Louie.
Sem desculpas ou explicações, ambos se dirigiram à saída, lado a lado, sem se tocar. A beleza deles confrontava, uma tentando ser mais bela que a outra, e, juntas, eram mais belas que todos. E todos assistiam ao confronto invisível sem ao menos respirar.
Era a fuga dos sonhos de Marie. Uma festa bacana, um cara legal. A única diferença era que tudo era bem mais sexy na vida real.
Entraram no Smart e Louie dirigiu sem rumo por um longo tempo, até decidir parar em um parque silencioso, habitado por dois mendigos e um punhado de pássaros.
Marie saiu do carro carregando duas garrafas de champagne que compraram no caminho. Andou o mais rápido que pode, lutando contra o desconforto das sapatilhas, até alcançar Louie, que a aguardava com um sorriso no rosto. Juntos, sentaram-se em um gramado úmido, abraçados, olhando para as luzes da noite da cidade.
A champagne acabou antes do começo da conversa, que durou até o nascer do sol.
Conversaram sobre suas vidas, sobre a vida dos outros, sobre sonhos, festas, livros, filmes e, no final, estavam discutindo sobre espiritualidade. Mas chegaram a um consenso: deveriam ir para a casa dele.
Entraram no quarto correndo, mas demoraram-se descobrindo um ao outro. Sentiram-se satisfeitos apenas no dia seguinte.
E Marie chegou em casa descabelada, sem meias ou sapatos, vestindo uma camisa masculina e um sorriso preso às palavras "Te pego em duas horas".

22.1.10

Decepção


É acordar louco por uma omelete, sonhar com panquecas e gemas douradas esperando por você. Arrastar-se até a cozinha e pegar dois ovos na geladeira. Podres. Pegar mais dois. Podres. Outros dois. Podres. E os ovos acabam. Podres. E você sem omelete.
É ver a maior caixa de presentes sob a árvore de natal com seu nome escrito. Começar a rasgar o papel até algum parente se lembrar que as etiquetas estão trocadas. Na verdade, você ganhou um pijama.
É chegar atrasado em algum evento que você espera há anos. Perder os ingressos do show da sua banda favorita. Estudar dias para a prova de Física e descobrir que estudou o conteúdo errado.
Decepção é descobrir que namora gêmeos, saindo cada dia com um diferente. E todos sabiam, menos você.
Decepção é perceber que está usando meias diferentes e tem uma mancha de pasta de dente na cara no primeiro dia de aula.
E decepção é amar.
É dor. É choro. Lágrimas quentes. Banho de agua fria.
E bola pra frente. Sorriso no rosto. Musica alta, gente nova. E começa tudo de novo.

11.1.10

E A Solitude Utópica...

Hoje, sem querer, me peguei revirando gavetas e arrancando folhas de caderno. Cacarecos jogados pelo chão, antigas fotografias sobre a cama, material escolar de quase 10 anos atrás.
Quando dei por mim, já não era mais possível entrar no meu quarto. Foi então que resolvi prestar atenção no estrago, e me deu vontade de chorar.
Procurei algum espaço no meio da assustadora bagunça e me deitei no chão. Sentia o cheiro da memoria misturado com o cheiro da poeira. Conseguia ver pedaços de bonecas quebradas da mesma forma que via a saudade. E o peso de tudo começou a cair sobre mim. Ele caiu tão forte, e tão rápido, que me fez pensar em um milhão de coisas durante uma fração de segundo. E foi assim que acabei me decidindo sobre o sentimento que vem me atormentando há vários meses.
É como se eu estivesse sempre deitada no chão, e com uma onda sobre mim. A onda da sociedade. A onda que me impede de ser eu mesma e me cobra mais e mais a cada dia, e quanto mais eu faço pra agradar essa onda, mais ela me cobra, sem nunca agradecer. E essa onda está sempre a centímetros de mim, prestes a entrar na minha garganta, nos meus ouvidos, nos meus olhos, prestes a me afogar.
Tem dias que tudo o que eu quero é isso. Que ela me sufoque. Então, eu não precisaria de pensar em mais nada, e viveria em uma solitude plena. Calma. Sem mais nenhuma cobrança.
Mas o pior que essa onde faz é tirar meu ar e, quando eu penso que já estou livre de tudo, ela vai e me acorda de novo.
Eu ainda quero conseguir nadar contra essa onda. E eu vou. Quando eu conseguir encontrar forças, porque hoje de manhã ela me deixou muito tempo sem respirar.

16.12.09

Um ano!

Ou quase um ano de blog. Na verdade, faltam 14 dias, mas não vou ter acesso a computadores por um tempo (viajar para o melhor de dois mundos: montanha e praia!), então vamos comemorar por agora.
Gostaria de agradecer a todos. Esse é o primeiro blog que levo realmente a sério. Os outros não duraram muito. Se querem saber, no meu primeiro blog eu falava sobre Harry Potter (isso há 5 anos atrás). Não durou 1 mês. No segundo, eu falava sobre minha convivência com meu irmão. Chamava 'como conviver com um irmão insuportável'. Era legal fazer ele, eu recebia uns pedidos desesperados de irmãos aflitos mas... não aguentei. Se durou 3 meses, foi muito.
Mas aqui, nas Maravilhas do Pais de Alice, foi tudo diferente. Primeiro, por mim. Eu estava (estou) numa época bem inspirada, em que eu sinto necessidade de escrever. Escrever é uma coisa tipo...respirar pra mim. Ok, não tanto, mas é algo bem importante. Depois, por vocês, seguidores, claro! E o suporte que várias pessoas me deram. Meu pai, que sempre tá lendo o blog e comentando. Minha mãe, que também lê bastante. Minhas tias. Meus amigos. Tem os outros blogueiros, como a LiLaís e o And, que eu conversava por msn e trocava algumas ideias. E os leitores e seguidores.
Gente, vocês não tem ideia da minha alegria ao chegar e ver um seguidor novo. Olha isso, quase 30! Os comentários também...me perdoem por não responder muito, mas é que eu vou no blog da pessoa e começo a ler, e de tanto que leio, acabo esquecendo de falar alguma coisa. Mas fiquem sabendo que todos os seguidores e comentadores já 'sofreram' uma visitinha minha, e já tiveram, pelo menos, um texto lido e apreciado.
Agora venho falar uma coisa muito especial: como 'presente' para o blog, resolvi fazer um vídeo e postar aqui. Mas não tenho ideias! Cantar uma musica? Ler um texto? Falar sobre mim? Falar sobre politica? São tantas opções...que elas somem e eu não acho nenhuma legal.
Por isso, quero que vocês me dêem dicas sobre o que falar no vídeo.
Meu Deus, UM ANO DE BLOG! Parabéns Alice, parabéns seguidores! Feliz Natal, prospero ano novo e que vocês tenham um 2010 maravilhoso, cheio de boas energias. Porque, se esse foi um ano incrível, foi porque tive pessoas boas ao meu lado, e vocês, leitores, fizeram sua parte.

Um beijo, espero as dicas.

9.12.09

Desapegada

O sótão: era escuro, úmido e com um pouco de mofo pelos cantos. Nas paredes, alguns desenhos infantis feitos com crayon. Era quase grande, cabiam quinze pessoas grandes, com conforto. Perto da escada tinham algumas caixas que se acumulavam com o tempo, guardando memorias de uma época em que eu ainda era feliz. Elas formavam uma parede de papelão que te impediam de ver o final do comodo, e, caso você quisesse vê-lo, teria de empurra-las até achar espaço para andar. Pois era o final dele que realmente importava. No chão, perto de uma pequena janela redonda, ficava Mesyne, enrolada em seus trapos negros esperando pela próxima visita. Ela tinha cabelos ruivos e olhos verdes, sempre com a mesma aparência jovial. Minha amiga.

Levantei cedo, antes mesmo do despertador tocar. A casa silenciosa e mesmo assim cheia de ruídos. Parecia que as paredes andavam falando de mim. Como se tivessem algo novo pra falar. Adoraria que me contassem alguma coisa.
A janela aberta mostrava uma manhã devagar, com o ar parado e frio. Nenhum passarinho cantando. Nada se mexendo. Menos eu. Fazendo o café, tirando um cigarro da bolsa. Saudável? Talvez, mas estamos em tempos difíceis. Tento me virar.
Jornal na mão, xícara fumegante à frente. O que fazer hoje? Toc, toc, toc. Tamborilo os dedos na mesa. Pego outro cigarro.

Odeio férias.

18.11.09

Resposta


Ela brilhava no escuro. Brilhava muito. Brilhava mesmo na luz do ténue sol de meio dia.

Ela era um livro aberto. Todos sabiam seus sentimentos bem antes dela. Menos ele, que se recusava a lê-la.

Ela perdera um longo tempo da vida amando-o. Abria o jogo, falava com todas as letras que o amava. E ele continuava sem entender.

Um dia, ele disse: "Também te amo". Ela se alegrou e se jogou em seus braços. Mas ele passou a perna nela, e demorou longos anos para aceitar tal amor.

Ela se entregou, ele continuava sem lê-la. Ela se abria, chorava, gritava, pedia ajuda a outras pessoas. Todos sabiam do desespero da menina! Menos ele.

E ele resolveu aceitar o amor, mas já era tarde demais. Ela acabou se enrolando, chamando-o por outro nome. O tempo que ele fizera ela esperar tinha sido longo, ela teve de se contentar com outros. Mas ele não aceitou.

"Você é o problema! Você odeia os outros! Seja feliz sozinha!" - disse ele, com amargura. Ela se entristeceu, mas ela também esqueceu.

Agora, ele diz que o velho eu dele morreu. Ela sente pena. O velho eu era um eu tão lindo, tão lindo...

4.11.09

Apelo


Em poucas palavras, gostaria de lhes dizer como ocorre a destruição de um sonho:


Ela vivia por aquilo desde sempre. E aquilo chegou tão perto dela, mais perto do que nunca. Ela esticou a mão e quase tocou. Mas aí veio uma mão maior e a puxou, dando várias desculpas e obrigando-a a manter distancia. Ela manteve distancia. Mas aquilo começou a distanciar, diminuir, só ela precisava mais que tudo. Com as poucas forças que lhe restavam, começou a arrancar as cordas que a prendiam. Outras mãos apareciam para empurra-la, enquanto ela encontrava novas mão para ajuda-la. O fim ela só podia imaginar. Imaginava abraçada com aquilo, chorando de alegria. Mas era só imaginação.

28.10.09

Quero

Carlos Drumond de Andrade





Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutosme digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser estade reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

20.10.09

A Ligação

Era terça à noite. Geralmente, ela sentaria à mesa e estudaria até seus olhos pedirem um descanso. Mas fazia uma semana que nada era como sempre foi.
Pegou o telefone, discou, desligou. O que falar? Não tinha ideia. Criou um diálogo na cabeça. “Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer.”.
O começo estava ótimo. A continuação era por conta da resposta dele. Sentou-se ereta, pegou o telefone e discou novamente.
“Alô?” – Era uma voz de mulher.
Ela não contava com isso. Mas respirou fundo e pediu que o chamasse.
“Oi, tudo bem? Então, é, bem, quer conversar? Não tenho muita coisa pra fazer”.
Sua preparação surtiu efeito e conversaram por horas. Se o assunto acabava, ele perguntava o que ela tava pensando - ah, como ela adorava essa pergunta - ela respondia e a conversa continuava.
“Mas então, o que você acha de mim?” - Ele perguntou, então, com um sorriso na voz.
Ela não sabia o que responder. As palavras a fugiam. Não sabia como dizer a ele que não havia melhor hora para ele entrar em sua vida, não sabia como dizer o tanto que ele a deixava feliz.
Soltou um “Ah...” que significava “Eu achava que nunca mais seria feliz assim, mas olha pra mim agora! Todo dia espero chegar de noite pra gente conversar”
“Ah...?”. Ele não entendeu. Ela repetiu. “Ah...”. Dessa vez significava “Como assim o que eu acho de você? É o cara mais fofo de fofo que eu já conheci, é bem mais do que especial pra mim.”.
Ele riu do outro lado da linha, “Tudo bem, depois você pode me falar.”
Ela ficou sem jeito, pensou em falar alguma coisa, mas não queria parecer uma idiota. Queria parecer uma idiota com um pouco mais de estilo. Estava inspirada.


- Se não está disposto a parecer um idiota, não merece se apaixonar.

6.10.09

Seres de Luz - Parte 1 de 2

Era uma noite escura e chuvosa. De manhã cedo o calor era intenso, o que fez com que Johanna descesse até a rua para aproveitar as gotas frias. As luzes acesas dos postes davam a tudo um ar fantasmagórico.
Johanna era alta e forte, com o corpo curvilíneo e a pele morena. Parou de pé na calçada, com os braços estendidos para o céu. A chuva molhava seu rosto e escorria-lhe pelos cabelos, colando-os nas costas.
Subiu meia hora depois, molhando o hall de entrada. Secou-se e se acomodou no sofá em frente à tv ligada. Pegou o cachorro, que tremia ao barulho dos trovões, e o acolheu perto de si, em meio as almofadas.
Foi a primeira vez que aconteceu. A luz da sala falhou, junto com a imagem da tv, que desligou segundos depois. Johanna pegou o controle e a ligou novamente. "Está chovendo", pensou. "É normal que a tv falhe numa chuva tão forte".
E a chuva piorava a cada minuto, batia na janela com a força de punhos. A luz falhou mais duas vezes. Eram 5 da tarde, e tudo se apagou.
Johanna não se importou muito. Deitou-se no sofá com o cachorro enrolado aos seus pés e dormiu.
Acordou uma hora depois de um sono pesado, embalado pela chuva. Com os olhos ainda colados, se arrastou até seu quarto para ligar o computador. Não ligava.
A casa já estava toda iluminada por velas. Uma na cozinha, onde Dona Santa trabalhava no jantar, uma no chão do corredor, uma no quarto de seu irmão doente e uma no banheiro.
Johanna não se deixou abalar. Sentou-se no chão do corredor e começou a brincar com a vela, colocando e tirando o dedo da chama para fazer uma dança de luzes e sombras. Depois, começou a fazer animais com as mãos, refletidos nas paredes. Por último, pegou a cera quente que escorri e fez mascaras para todos os seus dedos. Duas vezes. Ela começou a ficar tensa. Já era a segunda hora sem luz, e começava a ouvir vozes. Vozes nas paredes, no teto, no chão. Vozes saindo do fogo.
Começou a andar sozinha pela casa, batendo as mãos e falando alto. Quem quer que estivesse escondido, iria aparecer.

23.9.09

Uma breve ideia da vida

Peço-lhes licença para falar da vida. Dessa vez, não em uma cronica. Mas em uma historia que aconteceu comigo. Ah, a vida.
Passei dois anos de minha infância e pré-adolescência em Brasília. Era tudo lindo. Eu não ligava para minha aparência (graças a Deus, pois se ligasse nunca seria feliz) nem para a aparência dos outros, estudava numa escola pequena e tinha muitos amigos. A única coisa que me fez chorar lá foi a hora de ir embora.
Era como se tivesse um bolo delicioso na mesa que estava prestes a acabar, e eu tinha que comer, mas não podia. Ou como uma festa da qual eu não quisesse sair. Não, não era isso. Era como se eu estivesse deixando minha vida perfeita de lado e nunca mais a recuperasse.
Pois é, foi isso que aconteceu. Perdi minha vida perfeita. Voltei pra BH e passei um ano de inferno. Chorava muitos dias, sofria bullying na nova escola, ainda não tinha achado amigas... e meu refugio era Brasília. Sempre que eu podia, ia pra lá. Mas não era sempre, e acabei perdendo contato com meus amigos. Nada podia ficar pior.
No ano seguinte mudei de turma. Tudo apontava para uma tragédia. Teria de arrumar novas amigas, sofrer com outros bullys e aguentar a pressão pra passar de ano. Arrumei as amigas, não tinham mais bullys e passei de ano. Aí veio a questão aparência.
Chegava na adolescência com tudo. Espinhas, barriga, hormônios. Não gostava de mim mesma, e achava que os outros também não. Meninos, então, nem se fala. Minha vida social era na escola, e lá não tinha nenhum garoto que, digamos, 'prestasse'. Tentava ignorar isso com o máximo de bom humor, descontando no meu amor por musica.
Veio então 2009. Encontrei minha turma de amigos. Descobri meu estilo. Aprendi a cuidar das minhas notas. Achei também meninos. Sofri por eles, mas não posso dizer que não aproveitei.
Só que hoje, ao chegar em casa e ver que meu mais novo amor platonico estava namorando, não senti nada. Isso mesmo, nada. Nada daquela conhecida dorzinha no peito, que me dava vontade de gritar. Porque, finalmente, descobri que a vida é boa demais e curta demais para se reclamar dela.
Então, esqueci tudo de ruim que aconteceu comigo. Sou uma pessoa linda, uma pessoa feliz. Quero sentir novas musicas, ouvir novos sabores, experimentar novos amores.
Isso é um desabafo, de mim, para mim. Erika (sim, meu nome não é Alice), se liga! Para de conhecer homens pela Internet e investe naquele que tá do seu lado e te ama. Para de olhar fotos de modelos em revistas e seja feliz como você é! Perdoem-me os cliches mas...existe uma razão para eles serem cliches.
É isso. Vamos todos entender o que quer dizer uma 'vida muito curta, mais muito boa'. Vamos viver.

9.9.09

Fobia


A perna enfraquece. Pra andar, tenho que fazer aquela força mais forte que o mundo, mais forte que eu. Dou um passo. Pou! O pé se joga no chão, pedindo trégua. Mas continua, não tão firme e nem um pouco forte, na direção da forca.
Sento-me naquela cadeira grande. Me deito. Mas só deito porque me obrigaram. Olho para cima, uma luz forte, que me cega. Desvio o olhar. Do lado, uma mesa de metal com os instrumentos de tortura. Todos prateados, limpos e brilhantes, pontiagudos. Desvio o olhar novamente. Agora vejo o meu carrasco. Ironicamente, se veste de branco. A roupa, as luvas, a mascara, a touca.
Senta-se ao meu lado e sorri. Pergunta como estou enquanto abre a minha boca e enfia uma navalha entre meus dentes. Uma lágrima cai.
São 40 minutos que passam como horas, dias e noites, anos e três longas vidas. Demora a acabar. A dor não passa, a tremedeira não passa, o medo não passa... E não posso pedir socorro, ah se eu pudesse.
Me levanto da cadeira segurando um choro que, quando é autorizado a sair, nunca para. O Carrasco fala. Fala que terei de ir lá outras vezes. Para uma tortura pior. Colocar aparelho horrendo e que causa dor, preso em mim por dois longos anos. Em silencio, peço socorro.
Entro no carro correndo, começo a chorar lá dentro e só paro ao sentar aqui na frente, pois não consigo enxergar as teclas.
Tenho fobia. Não, não tenho, eles que são cruéis. Sim, tenho. Não. Sim. Socorro. Preciso de uma saída. Preciso de um socorro, preciso de fugir.

4.9.09

A Festa


Começou. Você se arruma toda, coloca aquele vestido caro e os sapatos desconfortáveis. Chega no lugar depois de todo mundo, sente um pouco de vertigem e costura aquele sorriso amarelo no rosto. Tem que sorrir. Passar uma boa imagem. Quase ninguém te conhece, ou até conhece, mas aquela meia garrafa que você bebeu duas horas antes faz com que todos tenham a mesma cara. Acha uma cadeira, se senta, tira os sapatos, os brincos, só não tira o vestido porque a avó a proibiu de ficar à vontade. “Não é pra você se sentir em casa, entendeu? Não me envergonhe.”. Começa o discurso. Você vê as bocas se mexendo, um som estranho sai de dentro delas, mas não consegue escutar nada. Um celular tocando. Pessoa mal educada, não deixa o celular no silencioso. Infelizmente, esse toque te pertence. Atende. Oi! Não, não, eu me esqueci, desculpa... O que, é pra amanha? Droga! Mas amanhã não era o teste? Xi, cara, tenho que desligar agora. Tem um bando de velho louco me encarando. A gente se fala. Você falou alto demais, como sempre, mas o discurso de 20 páginas do homenageado é mais importante, e alguns segundos depois já te esquecem. Tira da bolsa o gloss e começa a brincar. Pinta a mesa, os dedos, passa nos lábios e mata a fome com o gosto de morango falso. Alguém falou de um coquetel, não viu nenhum até agora. Ai, a fome. Garçon, me traz um copo d’água, por favor! Ah, não. Será que aquele homem era importante? Garçon não era. Acabou. Até que enfim. Toca o hino nacional. Aparece uma mulherzinha num salto agulha 15 e uma guitarra pra tocar. Caramba, que voz de igreja. Um hino nacional nunca demorou tanto pra acabar. Será que já acabou mesmo? Você procura um banheiro em todos os lugares, e nunca acha. Aparecem vários rostos conhecidos e desconhecidos. Bocas velhas de batom beijam o seu rosto. Aquele gordo com um bafo chega perto. Vamos fugir, por favor, não aguento mais. Acabou? Acabou! Chame um táxi, por favor. Ah, a premiação? Foi ótima! Mal posso esperar pela próxima.

22.8.09

A Declaração

"Matheus, meu Deus do céu, me desculpa. Logo naquela hora? Meu pai estava na porta, na porta! Eu estava esperando um beijo desde o momento em que entramos no cinema. Eu estava preparada. Aquela hora que a gente ficou junto, sabe? Sozinhos, naquele banco, olhando as estrelas. E você me abraçou. Foi tão lindo. E tudo o que eu mais quero é você. Dane-se a distância, DANE-SE. Eu te amo. Como melhor amigo ou como qualquer outra coisa que você queira ser. Eu não ligo, eu só quero estar perto de você. Só isso. Mas eu acho que você não quer. E eu peço desculpas, acho que te forcei, te assustei. Saiba que a Mel nunca me influenciou, NUNCA. Ela só me ajudou a aceitar um sentimento do qual eu tinha medo. Desde a sexta série! Eu nunca achei que você ia me querer, nem como amiga. Acho que não quer. O que será que você vê em mim? Eu estraguei tudo. TUDO! Não acredito. Sabe qual foi a primeira coisa que eu fiz ao sair do parque? ME ARREPENDER! Eu queria ter te abraçado mais. Te beijado. Nem que fosse só uma vez, só aquela última vez. Você devia ter me avisado! Que tinha medo que eu não te quisesse. Mas era você, ERA VOCÊ que não me queria. Porque eu to chorando?! Foi minha culpa. Minha culpa. Minha culpa. Minha culpa. Minha, minha, minha. Mentira. Foi sua, e eu sou idiota e fico me culpando. Fico me culpando pra achar que você gosta de mim e eu que estraguei tudo. Quer saber? Não te amo mais. Amanhã vou sair com o Guilherme...
Desculpa Matheus. Eu acho que te amo."
A droga do mistério do amor. Nunca consegui desvendar.

12.8.09

O Primeiro Conto de Alice


Com cabelos castanhos e manchas roxas sob os olhos, era Alice. Discreta e desinteressante à vista das outras pessoas. Vivia só, viva dormindo. Não vivia quando estava só, quando dormia, acordava para viver.
Durante o dia, Alice era triste. Cada minuto era uma batalha. Até o sol se por e a lua aparecer no céu. Até chegar a noite.
Entrava em casa correndo, jogava bolsa, mochila ou qualquer coisa que carregasse para os lados. Sem mesmo trocar a roupa, Alice se jogava na cama e dormia.
Assim que fechava os olhos, ela caia em um sono profundo, e logo sonhava. Sonhava primeiro com um céu cheio de estrelas. Ela andava sobre esse céu. Dava três passos para a esquerda, uma estrela à frente, outros dois passos à direita e mais cinco estrelas na direção do sol. Depois ela sonhava de novo, com um lugar novo, belo, onde ela era tudo. E então, ela não sonhava mais. Ela vivia em seu próprio mundo.
Mesmo com 16 anos, Alice não tinha amigos. Era uma velha em corpo de jovem. Lia muito, sabia demais e vivia com a cabeça em qualquer outro planeta, menos a Terra. A Terra era cruel.
Dia após dia, Alice esperava ansiosa a noite chegar. Não prestava atenção nos outros ao seu redor, apesar de sua vontade de ter alguém com quem dividir seu mundo noturno. Mas todos gozavam de sua sonolência, e ela aguentava. Até que seus colegas a fizeram chorar. De um modo frio, enviavam diariamente cartas para Alice. Ela as lia, respondia, e aguardava a próxima. Adorava ler as palavras do amigo anônimo. Alice começou a criar esperanças, alguém podia gostar dela! Mas não. No dia em que combinaram de se encontrar, a menina ficou horas esperando-o numa praça, e ao final do dia apenas viu os meninos de sua classe. Rindo. Aí ela chorou.
Chorou e correu para casa. Se deitou na cama e fechou os olhos com força, querendo ir logo para seu mundo, onde alguém poderia consolá-la, mas Alice errou o caminho.
A tristeza era muito, maior ainda era a pressa de chegar ao seu destino. Pouca era a concentração, e ela caiu no mundo errado.
Uma grande placa dizia “Terra do Nunca”. As letras pareciam tristes. Tudo parecia feito de pedra, nada se movia. Pessoas, plantas e até mesmo o ar parecia uma estátua.
Alice começou a andar pelo lugar, tentando entender alguma coisa, encontrar algum ser vivo. Andou por horas, passou por florestas cinza, cidades cinza, rios cinza. Tudo feito de pedra.
Viu belas paisagens, apesar da pouca (ou nenhuma) vida. Campos cheios de flores, animais correndo sem sair do lugar, casais sentados sobre a relva. E nada tinha movimento ou cor. Nem mesmo a lua, que continuava parada, como se olhasse na cara de Alice e dissesse:
-Menina só, menina tola. Procura algo vivo e rosada numa cidade cinza e morta. Como é tola, tola...
Alice tampou os ouvidos, procurando o silencio. A lua não parava da falar. Alice não queria ouvir. Queria sair daquele lugar, queria acordar logo. E... E se ela não acordasse!? Alice pensava, aflita. Tudo estava mais real do que sempre esteve. Tudo estava mais real do que durante o dia.
-Ei, ei menina, calma. Você ta gritando alto demais. Pode acordar alguém.
Ela arregalou os olhos. Por um instante, Alice se sentiu feliz. Uma pessoa falava com ela! Mas essa felicidade não durou muito. Assim que se virou, ela se deparou com um pequeno ser, mas não uma pessoa. Tinha olhos grandes e asas. Alice se assustou, recuou um pouco. Quem ou o que quer que aquilo fosse poderia fazer coisas horríveis com ela. Ela tinha medo.
-Quem é você? O que quer? – Alice falou com um fio de voz.
-Quem é você? O que quer? – Respondeu o ser.
Alice ficou quieta, não se atrevia a fazer mais nenhum som.
-Está bem, eu respondo primeiro. Sou Arya. Te vi e fiquei curiosa. Só. Sua vez.
Hesitando, a garota respondeu.
-Sou Alice, e quero saber o que exatamente é você, e o que exatamente é esse lugar.
-O que sou eu? Que bobagem. Sou uma fada, oras! Nunca viu uma de nós por aí? E este lugar – Disse a fada, gesticulado ao seu redor – É a terra do nunca.
Alice fez cara de confusa, imitada por Arya. A fada pareceu ler seus pensamentos, e se colocou a explicar o porquê das estátuas.
-Na verdade são pessoas. Sempre que a lua aparece no céu, todos devem voltar à pose original e assim ficar, até o sol nascer.
-E porque você não fica assim?
-Alice, não está prestando atenção no que digo? Sou uma fada. Alias a única por aqui. Essas coisas bobas não me influenciam, esse lugar me cansa.
Alice assentiu. A fada continuou a falar e Alice assentia. Não entendia muita coisa, mas assim que Arya se levantou e começou a andar Alice a seguiu.
Juntas, andaram por horas dentro de um bosque. A fada falava enquanto a menina concordava, sem realmente prestar atenção. Alice tinha uma fome voraz por aquela bizarra paisagem. Quanto mais andavam, mais ela queria ver. E tanto andaram que um raio de sol saiu por de trás da montanha e tocou um galho da mais alta e mais velha das árvores do bosque.
-Ah, ah... Venha cá, menina sem asas. Tenho que lhe dar uma coisa.
Arya empurrou Alice na direção do velho tronco, que estendeu um galho e deixou que uma pedra reluzente, meio molhada, caísse nas mãos da menina.
-Essa pedra... Essa pedra. Me esqueci. Perdão menina, perdão.
A árvore voltou ao cinza. O sol se pôs no horizonte. A fada sumiu. E Alice não acordou.

17.7.09

Perdido

“Eu perdi. Como assim o que eu perdi? O jardim não é, pois olhei pela janela hoje de manha e lá estava ele... O ar, o ar! Será que perdi meu ar? Não consigo vê-lo! Ah, claro, não da pra perder o ar, me desculpa. Mas sei que perdi algo. Vamos, me ajude. A casa também não perdi. Pintei ela de roxo semana passada. É a única casa roxa no bloco. Todos os moveis também estão lá dentro...Os sapatos! Não estão no meu armário. Ah, droga, perdi meus sapatos. O que vou fazer sem eles...Pare de me interromper! O que foi dessa vez? Ah sim, os sapatos estão no meu pé, obrigado. O que perdi então? A namorada? Não, já faz mais de ano que não a vejo. Saiu para comprar meu maço de cigarro e nunca mais voltou. Já sei, perdi me cigarro! Mas isso não é tão importante. Vamos, me deixe dar um trago. E quero um copo de Whisky. Tem um Johnny Walker no armário, dos bons, pode pegar. Como não tem? Tem que ter! Eu perdi meu Whisky? E o danado era caro... se bem que não, acho que ele acabou mesmo. Porque está indo embora moça, ainda não achei o que eu perdi! Espere um momento... achei sim. Achei a minha vida.”

No dia seguinte, Seu Zé fumou charuto molhado no melhor whisky, arrumou vinte novas namoradas e cuidou de seu jardim. Vendeu a casa e comprou uma maior. Achou a vida que tinha perdido. E logo depois, por falta de graça, depressão ou até mesmo uma embriaguez, trocou a vida pela morte.

“Valia mais a pena”

13.7.09

Selos !

Ganhei tres selos há um tempinho atras .. hora de coloca-los aqui !





Regrinhas:
1)Falar o blog que te mandou:http://www.putzferrou.blogspot.com/ - Garota de all star ( muuuuito obrigada !)2) Responder as perguntas:
a) Falar cinco coisas que você JÁ mordeu:1- a Julênha 2 - Borracha 3 - O computador (não perguntou porque) 4 - O telefone 5 - O celularb)5 coisas que você NUNCA moderia: 1 - Meu cachorro 2 - Abacate 3 - Frutas de cera 4 - Cabelo 5 – Batom
c)5 coisas que você QUER morder:1 - Brendon Urie 2 - Rick Martin 3 - O burro 4 - Um colchonete 5- Nesse instante, um sushi
3) Repassar para 3 blogs:
http://www.sorvete-de-picles.blogspot.com/ - Caindo da arvore
http://www.refugiolilais.blogspot.com/ - Refugio LiLaís
http://www.pedacodeumcoracaoaleatorio.blogspot.com/ – Rabiscos


Regras do Seu blog é Roxie! a-d-o-r-e-i!:1ª- Exibir a imagem do selo "Seu blog é ROXIE!" e escrever essas regras abaixo dele.2ª- Colocar quem te deu o selo nos seus blogs indicados (amigos).3ª- Escrever 5 coisas que são ROXIE (1ª sobre música, 2ª sobre televisão e cinema, 3ª três países que gostaria de conhecer, 4ª três cores favoritas e 5ª três hobbies)4ª- Indicar 10 blogs que você ache ROXIE.5ª- Avise a pessoa que você indicou, deixando um comentário para ela

- Adoro músicas de bandas desconhecidas e conhecidas que exageram nos trabalhos com orquestras. Um exemplo: Beirut.
- Faz um super tempo que não assisto TV, tirando CSI (que é uma das melhores séries que tem). Quanto aos filmes, ultimamente tenho ido muito ao cinema, mas o que eu mais gostei nos últimos tempos eu assisti no DVD: Across the Universe, com a trilha do Beatles.
- Inglaterra, Suíça e... Nova Zelândia
- Verde, verde e verde!
- Ler, conversar e ouvir musica.

http://www.ateasduas.blogspot.com/ ; http://www.folhadotedio.blogspot.com/ ; http://www.maybememoriiies.blogspot.com/ ;
http://www.umsolmaisfrio.blogspot.com/ ; http://www.capitch.blogspot.com/ ; http://www.ahoraandnow.blogspot.com/ ; http://www.omundodeanablogs.blogspot.com/ ; http://www.naminhaprateleira.blogspot.com/ ; www.cronicasdeumvazio.blogspot.com ; http://www.perguntasociosas.blogspot.com/

Regras: 1. Colocar o link de quem te indicou pro meme. 2. Escrever estas 5 regras antes do seu meme pra deixar a brincadeira mais clara. 3. Contar os 6 fatos aleatórios sobre você . 4. Indicar 6 blogueiros pra continuar a brincadeira. 5. Avisar para esses blogueiros que eles foram indicados.

1 – Não, não vou ter filhos
2 – Conheço o Zeca Camargo
3 – Amo uma Drag Queen
5 – Adoro dançar de um jeito que ninguém dança
6 – Odeio que fiquem roçando em mim.

http://www.maybememoriiies.blogspot.com/ ; www.cronicasdeumvazio.blogspot.com ; www.sorvete-de-picles.blogspot.com ; http://www.pedacodeumcoracaoaleatorio.blogspot.com/ ; http://www.refugiolilais.blogspot.com/ ; http://www.umsolmaisfrio.blogspot.com/

Pelos dois ultimos selos, obrigada Lais ! (LiLaís)


Purgatório

Ele tinha morrido. Como não ter morrido? Ninguém vivo poderia sentir tanta dor de cabeça. Se sentisse, morreria. E estando morto, não sentiria mais nada. Então, porque raios a cabeça dele ainda doía tanto?!O purgatório. Era lá que ele devia estar. Certamente não iria para o céu, mas não se lembrava de nada que o levasse diretamente para o inferno. Se bem que ele gostaria de ir pro inferno. Kurt Cobain não estaria no paraíso, for sure. Mas quem disse que o inferno não era o paraíso? Essas coisas de tortura devem ser só intriga da concorrencia.A cabeça ainda doía. E agora que ele pensava, doía ainda mais. Doía tanto que ele começou a ver coisas. Ah! , se lembrou. Não estava no purgatório, ele não acreditava em Deus, no Demonio ou em vida após a morte. Acreditava em Kurt Cobain. Não devia estar no purgatório, ele estava era em coma. Mas e se o coma fosse parte do seu julgamento? Ele não acreditava em purgatório, devia ser só uma coma mesmo.Mentira. Agora ele se lembrava de tudo. Era só mais uma ressaca na manhã de segunda-feira.

31.5.09

Quebra-Cabeça - Cap. 14


Quando Nicolas terminou de contar sua historia, eu já estava seca e vestindo uma roupa nova. Não que a historia em si fosse muito longa, mas ele a contou devagar, escolhendo as palavras. Parecia que ele sentia na pele tudo o que contava.
Sai do pequeno quarto e vi Nicolas no chão. Ele estava sentado, meio encolhido. Parecia uma criança perdida e cansada, que não tinha mais forças para correr procurando pela mãe.
-Venha Nicolas, levante-se. Você é forte. Mais forte que Destino. Podemos ganhar desse babaca... Só precisamos de um pouco de tempo.
Ele olhou pra mim sem muita confiança. Minhas palavras soaram falsas até mesmo para os meus ouvidos, mas eu acreditava nelas. Acreditava que, algum dia, conseguiria me livrar de Destino.
-Você está certa.
Nicolas disse isso decidido, o que me assustou um pouco. Parecia que ele realmente tinha acreditado no que eu dissera.
-Claro que irá demorar um pouco, e você terá que fazer o que ele mandar por certo tempo. Mas no final conseguiremos Íris. Juntos!
Quando ele terminou de falar, percebi que eu mesma estava me convencendo disso. Destino nos subestimava. Éramos muito mais fortes do que ele pensava.
-Destino deixou as primeiras instruções para você. – Nicolas não estava perguntando, mas, da mesma forma, assenti. – Certo, então iremos cumpri-la.
-Não.
Ele me olhou assustado.
-Não, Nicolas, eu irei. Você não pode me ajudar. Não dessa vez.
Ele olhou para ao chão, sério. Pensei que iria contestar. Falar que eu não era capaz de fazer isso sozinha.
-Está certo então. – Ele se levantou. – Vamos.
Nicolas andou até a porta da casa. Demorei alguns segundos, mas acabei fazendo o mesmo. Parei na entrada, ao seu lado. Ele me olhou e deu um longo suspiro. Abriu a porta e me puxou pela mão sala adentro.
A adaga, a foto e o quadro de horários ainda estavam no chão. Ironicamente, pensei que aquilo podia se comparar às armas do crime sendo esquecidas ao lado do corpo falecido, ou algo do tipo. Tudo parecia estranhamente mortal.
Nos sentamos, Nicolas estudando o quadro de horários. Enquanto lia o pequeno papel, ele fazia algo que eu amava: ia trocando de expressões. Ele se tornava apreensivo, triste, tenso, mal, como se trocasse de mascaras. Tudo isso lendo apenas os compromissos de um homem. Me fascinava.
-Droga Íris, é amanha. Teremos que fazer tudo muito rápido.
No momento em que Destino me entregou o papel, estava tão eufórica que não fui capaz de olhar a data. Puxei-o da mão de Nicolas e soltei um gemido de desespero.
Era no dia seguinte.
Olhei para ele, pedindo socorro. Eu não ia conseguir. Não dava. Tinha menos de 24 horas para me preparar, e ainda não tinha nem ideia do que preparar. Minha cabeça começou a doer, meus olhos ardiam. Eu não estava me aguentando dentro de mim.
-Íris, ÍRIS! Respira, caramba. Você tava começando a ficar vermelha. Não se desespera, ok? Eu te dou umas dicas, você realmente tem que fazer essas coisas sozinha. Agora vem cá, toma um copo d’água, e eu vou te explicar o que você tem que fazer. Ah, e vá se trocar, você precisa chamar menos atenção, vá vestir uma roupa preta, não sei.
Olhei para Nicolas e me levantei, relutante. Bebi a água rápido de mais, provocando soluços indesejáveis. Enchi o copo novamente, bebendo mais devagar na segunda vez.
Fechei os olhos e relaxei os todos os músculos do corpo. O mundo não estava acabando. Eu ainda tinha tempo. Eu tenho tempo. E vou aproveita-lo.
Abri os olhos mais segura. Nada podia dar errado.
Corri para o quarto para me trocar. Nicolas estava certo, uma assassina com um vestido amarelo seria meio ridícula. Peguei um moletom preto, jogado no chão, e o vesti junto com um par de jeans. Parecia mais uma mendiga do que assassina, mas acho que isso era parte do papel.
Em silencio, voltei para a sala. Nicolas estava olhando a adaga em silencio. Sorria enquanto alisava a arma com os dedos. Parecia se lembrar de uma piada antiga, de historias de família que guardamos para os netos. Ele sorria um sorriso que parecia velho, coberto de teias.
-Nicolas?
Ele se virou calmamente, me olhando nos olhos.
-Puxa, demorou hein. Vamos logo. Vai ser tudo bem fácil, no caminho te conto o que irá fazer.
Nicolas ia falando ao mesmo tempo em que colocava algumas coisas dentro de uma sacola, eu o observava, me perguntando se algum dia iria entendê-lo.
-Venha logo Íris! – Nicolas me gritava, já do lado de fora de casa.
Andei devagar. Cruzei a porta e olhei para a bicicleta. O céu estava escuro, devia ser quase meia noite. Estremeci. Não só pelo frio. Estremeci por tudo. O desconhecido me assustava.
Assim que subi na garupa da bicicleta, tentei ter uma ideia geral do que iria acontecer. Mas o futuro parecia mais com um quebra cabeça de mil peças, e todas elas desconhecidas para mim.
Borboletas se agitavam no meu estômago. Abracei Nicolas com força.
-Estou com medo.
-Não tenha medo – Ele me respondeu. – Nada vai dar errado.
Ele estava tão confiante. Eu pensava que, após aquela surra de Destino, Nicolas se tornaria um fracote covarde, mas não. Ele estava mais forte. Mais confiante. Uma nova fonte de energia jorrava sobre ele, que parecia emanar uma luz de tranquilidade e segurança.
Lembrei-me da mulher que ele escutara a voz. A tal ‘Vida’. Eu tinha pensado que era só imaginação dele. Só que Nicolas estava insanamente diferente. Aquela historia da ‘voz revigorante’ devia ser verdadeira.
Fechei meus olhos com força. Tinha que parar de pensar de mais. Tinha que me focar no que estava prestes a acontecer.
Respirei fundo e me lembrei dos meus meses de falso treinamento, imaginando se ainda sabia manipular uma arma.
Cerrei os punhos e respirei fundo. Nada vai dar errado.
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Indico John Meyer. Comprei um CD mais antigo dele há pouco tempo, mas é super legal. A música Your Body Is A Wonderland é ótima. No violão e com letras meio melosas, Meyer detona.

26.5.09

Post de Aniversário

Não aniversário do blog. O meu!
Bem, venho aqui pedir desculpas por demorar para postar o proximo capitulo, mas também para avisar que criei um novo blog: o festanalaje.blogspot.com
Sendo assim, este ficará especialmente para a postagem de minha historia, enquanto no outro vou falar sobre outras tantas coisas.
Grande abraço, e parabéns pra mim !

9.5.09

Gritos de Agonia - Cap.13

-Eu comecei a gritar. A gritar muito. Ele agarrou meus ombros, cravando suas unhas sujas em minha pele, me rasgando, chegando a minha carne. Ele me puxava.
“-Eu tive que passar por isso, Nicolas! Passei por coisas muito piores! - Ele dizia, enquanto me levantava e me encostava em uma árvore. Me fazia encará-lo, mas eu não conseguia. Minha mente estava bagunçada, minha visão estava turva. Ele começou a bater no meu rosto.
“Me chamou de rebelde de novo, mas eu não conseguia nem mesmo perguntar o porque. Minha boca estava cheia de sangue. Eu já não enxergava mais nada, Íris. Só escutava. Escutava meus músculos gritando por piedade, berrando enquanto eram mutilados.
“Por um breve momento, Destino me olhou como se tivesse pena, como se estivesse repensando seus atos. Desviou seus olhos de mim por um momento. E aí eu fiz o pior.
“Estava perto de algumas árvores, precisava me esconder. Comecei a me apoiar nos troncos, tentando sair de vista daquele monstro. Idiotice minha.
“Destino reergueu seus olhos, me encarou. Riu como se tudo fosse uma piada.
“-Você acha mesmo que pode fugir de mim?! – Ele gritava, suas palavras se misturando aos meus gemidos de dor, enquanto ele me puxava pelos cabelos, na direção do centro da clareira. Senti ele arrancando metade do meu couro cabeludo.
“Eu não tinha mais certeza do que ele fazia. Podia senti-lo quebrando minhas pernas com chutes, enquanto na verdade ele estava me dando socos de fúria.
“Já não sentia mais nada. Só sentia dor, agonia. Respirava medo. E suava. Um suor frio, que caia em minhas feridas e fazia arder.
“Não sei porque, mas Destino resolveu parar de me bater. Sentou-se ao lado do meu corpo jogado no chão, me protegendo do sol que começava a surgir por entre as folhas das árvores, e se pôs a falar. Falou sozinho durante um longo tempo.
“Começou falando de mim. Foi me relembrando de toda a minha vida. Minha vida mesmo Íris, antes de ser apenas mais um dos ‘mensageiros do Destino’, ou seja lá o que somos. Assassinos, loucos. Sado masoquistas, talvez.
“Ele falava tudo o que eu passei anos tentando apagar da minha mente. Lembrou-me de minha família. De minha mãe, que fazia de tudo para nos sustentar. De meu pai, doente. Lembrou-me de meus irmãos, ah!, meus irmãos. Lembrou-me de todas as nossas aventuras.
“Tudo aquilo era uma tortura maior. Me lembrar do que eu tinha perdido doía mais do que qualquer real machucado que eu tinha naquele momento. Minhas entranhas começaram a chorar, já que meus olhos não eram mais capazes disso.
“Só que Destino contava de uma forma diferente. Ele contava como se todos ainda estivessem vivos. E como se ele fosse eu.
“Contou toda a minha vida fazendo com que ela parecesse uma mentira. Mentira, Íris, pois parecia que ele que tinha vivido por mim, e eu era apenas o telespectador.
“Uma brisa quente passou. Eu não escutava mais nada, Destino tinha parado de falar. Pensei que estava sozinho, mas não tinha escutado passos se afastando. Hesitava até mesmo ao pensar, com medo de qualquer coisa me perceber ali. O tempo não queria passar, a dor continuava. Parecia que algo me cutucava com uma agulha, cada centímetro do meu corpo latejando.
“Fiquei lá, esticado, com dor, por um longo tempo. Estava esperando que aquilo passasse. Tentava relaxar meus músculos.
“Aí eu escutei vozes Íris. E não era só Destino. Tinha uma voz feminina também. Parecia carinhosa, me acalmava. Eu queria poder vê-la. Seguir com ela para onde quer que fosse. Ela ria muito.
“Acho que se não fosse a voz da mulher, eu entraria em desespero. Mas continuei no chão, sem me mexer, evitando respirar.
“Eles falavam rápido, sobre algo que eu não entendia. Destino falou sobre um homem, mas ela parecia não prestar atenção. Destino gritou com a mulher, e ela apenas riu. Falou que ele não aproveitava a vida. Quando ela falou isso, senti uma luz. Aquela mulher era a Vida, Íris. Tinha que ser.
“Destino resmungou mais um pouco, ela disse um horário. Ele concordou.
“A mulher continuou falando. Ela cantava. Mas sua voz foi se distanciando. Pensei que eles já tinham saído. Infelizmente, estava enganado. Destino ainda estava lá. Mas ficou pouco. Ficou o suficiente para me chutar nas costelas novamente, e sair, murmurrando alguns xingamentos.
“Aquilo doeu Íris, mais do que eu esperava. Mas eu tinha relaxado meu corpo, acho que a voz da mulher me ajudou.
“Fiquei deitado mais um tempo. Eu já não tinha mais pressa. Lembrei-me da voz, me senti bem. Com dor, mas bem. Eu precisava escutá-la de novo. Isso que me deu a força necessária para me arrastar de volta.
“Eu segui o rastro dos sussurros da mulher. Tentei sentir o cheiro de seu som. E senti que estava no caminho de casa. Não sei como, mas senti. E aí eu cheguei até você Íris. Eu consegui."
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Indico Last Of The English Roses, música de um ex-Libertines e ex da Kate Moss. Falo de Pete Doherty, com sua voz meio arrastada, olheiras, drogas e um som agradável a todos os gostos.

28.4.09

"Como papel e pedra" - Cap. 12


Nicolas ganhou de mim três vezes. Eu ganhei cinco.
Eu não sabia o nome do jogo. Tínhamos que acertar a bola em um alvo, correr com ela nas mãos, pular, desviar e desarmar o outro. Parecia uma luta dançada. Ou uma dança lutada. E eu era boa nisso.
Nicolas fechou a cara e se dirigiu para a ducha nos fundos da casa. Disse que ia tomar um banho para se refrescar, que estava suado. Mas eu sabia que não era isso. Não completamente isso. Sabia que ele odiava perder, que precisava relaxar. Homens.
Ele saiu e eu fiquei parada. De pé, tentei esperar o tempo passar. Mas eu precisava me mexer.
Acabei me convencendo de que toda a energia de Nicolas tinha passado para mim. Corri mais um pouco, tentei alcançar os últimos raios do sol que se punha. Queria guardá-los só pra mim. Mas quando abri as mãos, apenas estrelas escorriam pelos meus dedos.
Voltei para casa vestindo minhas roupas encharcadas de suor e um cheiro horrível. Sem pensar se Nicolas ainda estava lá, corri para a ducha. Nunca precisei tanto de um banho.
Comecei a me despir antes mesmo de chegar aos fundos. Pretendia me deixar de molho até o dia seguinte, e minhas roupas por mais outross três.
Já estava com metade do corpo a mostra.
-Não temos mais nenhum pudor nessa casa? –Escutei sua voz rouca às minhas costas, em meio a leves risadas que inutilmente tentava esconder. Eu conseguia ver a cara de Nicolas falando isso, não precisava me virar para ter certeza. Mas me virei.
Ele olhou para mim com os olhos arregalados. Fez cara de crianças, fingiu se esconder e depois abriu um de seus mais belos sorrisos. E tentou me abraçar.
Desviei. Nicolas estava só de toalha. E eu não gostava de pessoas me tocando. Inclusive quando eu não vestia nada.
-Saia da minha frente Nicolas, preciso de água. –Falei, enquanto o empurrava para o lado, tentando entrar no pequeno quarto com o chuveiro.
Fechei a porta com pressa, tranquei-a e corri para o banho.
A água estava gelada. As gotas caiam curiosas em minha pele, me cortavam com a baixa temperatura.
-Não vai querer saber minha historinha? Ou o trato já esta desfeito e você jogou sem querer algo em troca? Aposto que está morrendo de curiosidade.
Eu queria saber. Eu estava louca, morta, com um universo e meio de curiosidade de remexendo dentro de mim. Não queria que Nicolas percebesse.
-Claro que quero saber.
Ele estava do outro lado da porta. Devia estar forçando a fechadura para entrar, eu tinha certeza de que ele não gostaria de ficar do lado de fora. Não queria que ele entrasse. Poderia contar de onde estava.
-Não vai abrir a porta?
-Não. Conte-me de onde está. E ande logo, conte enquanto estou de pé, pois já já me deito.
-Já que quer assim... –Ouvi passos se distanciando. Como era sacana.
-Pare de suspense Nicolas. Sei que ainda está com a orelha colada na porta.
Ele soltou um palavrão abafado e depois riu alto para disfarçar.
-Vejo que está cada vez mais esperta, querida Íris. Acredito que grande parte dessa esperteza seja de minha influencia.
-Sendo sua ou não, não ligo. Apenas me conte o que aconteceu.
-Está bem. Mas antes eu arrumaria algum lugar para sentar. Você está prestes a ouvir uma longa historia. Cuidado com os pesadelos, minha pequena.
Sentei no chão, sob a água. As gotas quicavam em meus ombros, molhavam meu cabelo. Faziam um som infantil. As palavras se derretiam, amargamente doces. Eu chegava a sentir o gosto. Adorava historias.
-Destino chegou cedo hoje, bem antes de você acordar. Ainda havia lua no céu - Assim Nicolas começou, narrando cuidadosamente sua historia.
-Quando abri os olhos, acordado por um frio repentino, vi seu vulto negro sentado no chão. Demorei para levantar-me, pois você me abraçava, e eu não queria te acordar. Mas como você me segurava forte! Levantei-me e fui em direção de Destino. O ar chegava a fazer mais barulho que nossas vozes em meio a uma conversa.
“Em um momento, quase começamos a gritar. Destino e eu não nos entendemos muito bem, devíamos estar discutindo por alguma bobagem. Tão bobagem que nem me lembro agora. Quando começamos a levantar a voz, ele me segurou pelo braço e me puxou para fora da casa. O ar me cortava. Andamos durante bastante tempo, rumo à uma floresta. Destinou usou um caminho difícil, dando voltas e andando rápido, fazendo com que eu não me lembrasse de como voltar.”
-Então você não foi dar uma volta?
-Deixe-me terminar, Íris!
“Certo. Bem, depois de tanto andar, acabamos chegando a uma clareira na floresta. Destino me olhou com ódio, e me bateu uma primeira vez.
“Sempre imaginei Destino como um velho. Mas seus punhos eram duros como aço, e estavam mais frios do que a noite, me cortavam. Ardiam e queimavam. Nunca um soco doeu tanto. E era uma dor que não acabava.
“Começou um longo sermão. Destino adora falar, adora que prestem atenção em suas palavras difíceis e em seus enigmas.
“Primeiro ele me disse coisas sem sentido, sobre leis, contratos, acordos. Falou que eu estava contra tudo e todos, que eu era um rebelde. Eu não entendia nada. As palavras não faziam sentido, e eu ainda estava tonto de dor.
“Foi então que olhei diretamente para Destino, e prestei atenção em sua figura.
“Ele estava sem capa Íris, sem nada. Eu pude ver seu corpo branco e enrugado. A pele fina, como papel. Eu podia jurar que, com o minimo movimento, ele se ragaria. Mas ainda assim parecia esculpido em pedra.
“Destino me olhou, mas eu já não prestava atenção. Me bateu novamente, eu sentia mais dor. Parecia que Destino ia arrancar meus braços.”

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Não sei como ainda não indiquei Beirut. É um estilo meio folclorico e muito alternativo. Vale escutar Nantes e Elephunt Gun.