31.12.10

Conto de Ano Novo


Dez minutos para a meia noite.

A champagne esquentava na taça de Pietro.

Ele estava sentado à mesa da sala de jantar.

Ele estava só.

Olhava pela janela a movimentação das pessoas que corriam nas ruas à procura de terminar de fazer o que começaram antes. Pessoas à procura de dar um significado ao seu ano vazio. Pessoas com objetivos incompletos. Inacabadas.

Tudo passa.

Até a uva-passa.

Pietro riu de sua própria piada. Ninguém mais achou graça.

Não havia mais ninguém na sala.

Nove minutos para meia noite.

Pietro terminou sua taça e deixou-a vazia sobre a mesa.

Começou a pensar no seu ano.

Um desavisado estourou um foguete antes da hora.

Que compre um relógio.

Seu ano.

Pietro se lembrou das pessoas inacabadas.

Pietro não era inacabado.

Ele não tinha nem objetivos para serem incompletos.

Oito minutos para a meia noite.

Seu ano.

Pietro tinha um bom emprego numa firma de computadores. Nunca levara um esporro do chefe. Nunca recebera elogios do chefe. Na verdade, Pietro nem sequer sabia como era o rosto do chefe. Ele chegava na hora certa. Dava bom dia para o segurança. Sentava no seu cubículo. E saía as seis da tarde. Segundas as sextas.

Pietro não tinha necessidade de sexo. Não comprava revistas pornográficas. Não ligava para os telefones que lhe eram entregues.

Pietro não tinha pessoas em suas vidas. Talvez uma vez por mês sua mãe o ligasse. Mas não falavam por mais de cinco minutos. Talvez um colega o chamasse para um bar. Mas Pietro tinha seus próprios compromissos.

Pietro não tinha hobbies. A não ser um.

Sete minutos para a meia noite.

O interfone tocou.

O porteiro anuncia a chegada de Luciene.

Pietro diz que é engano. Não tem festa na sua casa.

Nem hoje nem nunca.

Mas o porteiro é velho e começa a resmungar com sua voz de velho no interfone.

Pietro desliga.

Pega a garrafa de champagne que descança na geladeira.

A não ser um.

Seis minutos para a meia noite.

Pietro coleciona acasos.

Acasos que geram acasos e, depois, geram um fim.

Essa era a única paixão de Pietro: o Fim.

Ele serviu o resto de champagne na sua taça.

Observou o gás formar pequenas bolhas nas paredes de vidro.

Cinco minutos para a meia noite.

Um exemplo de acaso: uma vez, no ônibus, uma velha com asma deixou cair sua bombinha de ar. Por acaso, Pietro a encontrou. Por acaso, ele a pegou. Por acaso, a velha começou a ter uma crise asmática.

O fim: ela morreu.

Outro exemplo de acaso: Pietro recebeu a correspondência errada. Por acaso, ela indicava lugar e hora para certo homem entregar certa mercadoria. Por acaso, Pietro não devolveu a correspondência. Por acaso, o certo homem não apareceu.

O fim: ele morreu.

Quatro minutos para meia noite.

Pietro precisou ir ao banheiro.

Líquidos geram líquidos, e o fim é a descarga.

Três minutos para a meia noite.

O interfone toca novamente.

O porteiro anuncia a chegada de Maria e Laura.

Acasos.

Pietro manda-as subir.

Ele abre a gaveta da cozinha e estremece.

A noite promete.

Dois minutos para a meia noite.

Toca a campainha.

Está aberta!

As duas moças entram.

Alguns fogos já estouram no céu.

Pietro corta a garganta das duas.

Um minuto para a meia noite.

A faca já está limpa e dentro da gaveta.

As duas moças estão sentadas no sofá, imóveis.

Pietro está sorrindo olhando pela janela.

Termina de beber sua taça.

Meia noite.

Ele brinda com as moças.

E viva o ano novo!

11.12.10

Secreções desgostosas prazerosas em meu ser


Palavras vomitadas no escuro da noite me consomem. Sinto nojo quando a gosma fétida me encosta. Meu reduto particular é tomado pelo cheiro nauseante. O desespero em minha cabeça sufoca e tortura. Não sei mais onde estou e nem o que quero, desconheço minhas razões e os objetivos aos quais me prendo. Apenas sei de ti, e nós, e as palavras que me mantém acordada neste meu momento que antigamente eu chamava de paz.

Mas de ti e nós não sei mais é de nada. E esse vômito que agora me cobre é feito só de águas passadas. O movimento dos moinhos no horizonte já me é entediante. O barulho do vento não assusta mais. Às vezes eu via reflexos à janela e me punha curiosa a observá-los. Agora quero desvendá-los. Atraí-los com pseudo-iscas para a minha armadilha espectral.

Podia muito bem levantar-me e pegar um balde para limpar o chão. Entrar na ducha fria para me purificar. Mas, ao contrário, sinto-me atraída pelo desgosto. Quero mesmo é que esse vômito nostálgico me cubra por inteiro e me afogue em seu querer de agora sei o que ali havia. Penso que se talvez o cultivasse e vomitasse uma vez por noite, o passado, querido e amado, confortaria as almas penadas, sujas e solitárias, que agora vagueiam pelos meus corredores internos a sussurrar nadas ao vácuo em busca de informações que na verdade evitam. Almas masoquistas.

O barulho que o relógio faz me acorda. As palavras que já estão fora do meu ser rodopiam pelo ambiente que não sei nomear mais. Palavras carregam nada mais que simplesmente o que elas querem te dizer. Elas só mostram o que elas querem que você veja. As palavras que eu expeli sempre se dividiram em dois grupos: as cheias de pudores que se juntavam em grupos, aos cantos, e as vulgares. As vulgares se desnudavam diante de todos os olhos, até mesmo dos mais crentes, querendo mostrar tudo o que tinham. Mostravam-se sozinhas, melhores que as outras. Elas sempre eram um pouco mais do que diziam ser, e queriam porque queriam mostrar isso.

Tic Tac Tic Tac.

Vomitei de novo.

Agora acordada.

Normalmente eu vomitava ao me deitar na cama. Antes do repouso total e absoluto (aquele que quando ingênua eu chamava de paz), punha-me a pensar e pensar e pensar e pensar e pensar. Criava situações utópicas para me entreter no que seria uma pretidão sem tempos. Uma coma temporária. E ao criá-las e recriá-las descobri que na verdade eu somente remontava tudo aquilo que já havia de certa forma vivido. Ignorava o recente, pois o recente sai de moda mais rápido. E o recente é aquilo que não gosto mais. Sou uma alma velha. Gosto dos antigamentes.

30.11.10

Sortudo é o Peixe



Queria eu ser como o peixe
E ter memória de 15 segundos
Sempre a nadar no infinito
Sempre a desconhecer o mundo

Queria eu ser como o peixe
Que toda vez que o mundano acontece
Ele vê como novidade
E logo depois, esquece

Queria eu ser como o peixe
Que não se lembra de horários
Não se importa com datas
E muito menos com as chaves do carro

Queria eu amar como o peixe:
A cada 15 segundos
Te amo de novo
E de novo e novo

Queria eu desamar como o peixe:
A cada 15 segundos
Não se lembra dos outros 15
Que, cego, desperdiçou

5.11.10

Mergulho


Sentei na areia daquela praia que guardava os segredos da minha infância. Quinze longos anos já tinham se passado desde a ultima vez que eu andara pela orla que agora abrigava rostos estranhos e algumas comerciais. Aquele vendedor de doces não estava mais ali, nem seu sorriso pálido ou suas palavras acolhedoras. Sua alma agora devia vagar por lugares desconhecidos e, provavelmente, melhores que aquela costa que agora não se importava em costa ser mais.
A areia úmida fez-se de objeto único, fez-se de cama para mim, que já não tinha mais nada, nem apoio, nem morada, e nela eu fiquei por longo tempo, indeterminado e necessário, a ver vida passar andando, o ar molhadamente salgado como se tivesse acabado de nadar no oceano que a frente se deitava, só.
O mar me intrigava. Se não fosse eu, mulher solitária sentada na areia a pensar, seria mar imensidão de agua só a nadar em mim e a me conhecer sem espantos mas com espasmos orgásticos de curiosidade e afeição.
Fechei meus olhos cegos, acostumados somente com o material e fútil, e, sentada, pus-me a escutar o cântico entoado pelas ondas. Sentada e sem ver. Somente a ouvir. E o mar falava. Sussurrava em meu ouvido segredos de seus caros amigos, casos de vidas alheias, receitas e almas perdidas. Falavam também de suicidas, brigas e novidades, comentou algumas saudades, algumas memórias, contou-me histórias, seus frios e tenros amores, todas as ânsias e dores, desejos profundos, sonhos e cantigas.
Quando dei por mim, não me dei. Não era mais eu a escutar. Agora era eu que falava, com a voz toda encharcada. E eu sentia que crescia, expandia, tomava-me por um espaço que já não era mais eu, e sim o infinito.
Agora eu era o mar. Oceano azul-verde-cinza, de humores e mágoas, de liberdades. Eu era o mar. Era o poder. E, enfim, percebi que vivia

23.9.10

Agendas



Ontem abri minha agenda para checar meus afazeres. Passei, sem paciência, aquelas páginas rabiscadas de um antigamente recente. Cheguei no hoje e percebi, meu deus!, o quão pouco faltava para o fim. Como tudo tinha passado. Como o seu aniversário estava chegando. Mais três capítulos e acabava aquela pseudo agenda pessimamente utilizada.
Sentei-me na cama com dores nas costas, a velhice precoce me matando. O peso do tempo se repousando na memória. Contei nos dedos: dois dias para a primavera.
Peguei novamente a agenda, dessa vez por vontade de análise. Desde o começo do ano, resoluções incompletas, alguns vários deveres sem término. Tudo inacabado. Menos a agenda. E mesmo contra a minha vontade, o tempo passava e, ao seu tempo, a agenda acabava.
Eu também acabava. Não meus textos e pinturas, mas sim meus desejos e crenças. Me achava crescida. Pronta. Que já sabia de tudo e não precisava mais da sua ajuda. Mal sabia eu que não era bem assim. Não sabia nem mesmo cultivar uma agenda para que ela florescesse saudável na primavera.
Vi o cachorro deitado no chão, a fumaça do incenso subindo, fazendo desenhos e contornos do nonsense. Seria agora tarde demais?
Dois dias para a primavera. Três capítulos para o fim de já. Mas não seria hoje o começo do fim de tudo? Ó, tormento! Tudo o que eu precisava era de uma noite de sono, e não de mais afazeres para o dia de amanha.
Anotei na agenda, com pressa, no primeiro dia de primavera: "Faça valer a pena". Recostei a cabeça e esperei o sono vir, rezando para não esquecer de checar a agenda no dia certo.
Acordei pensando que seu aniversário chegava. Assim como o fim. Os dias passam. E a agenda, ela está logo ali.

18.9.10

Criação Conjunta

Por ti ser
cortiça
que espicha
espreme
esfrega
escreve na cara
a espera dos
esporos entre
os poros
em nossos
porões absolutos.

VÁCUO


Lenora Rohlfs e Erika Rohlfs

10.7.10

Fantasias


Primeiro, havia apenas eu. Era um campo verde, com um lago cinza e uma casa. E, em minhas mãos, uma caixa.
Depois, haviam palhaços. E os palhaços me puxaram, empurraram, estiraram, dobraram, cortaram, pintaram e mudaram até que eu me parecesse com eles. Em minhas mãos, repousava a caixa, suave e fria.
Ela era de madeira talhada, com curvas e desenhos de sonhos e desejos matinais, levemente pesada, com um cadeado de bronze. A caixa estava trancada, e se recusava a me contar que segredos guardava.
Os palhaços, delicados como palhaços devem ser quando não prezam pela delicadeza, esticaram suas mãos enluvadas em minha direção e, ao som de uma marcha fúnebre, guiaram-me para a casa. Relutei, gigantesca era minha insegurança, e, apesar de minhas suplicas, percebi-me no interior da construção ao fim da musica.
Agora, não é pertinente lembrar o aspecto da casa. Nunca será. Apenas seu fedor mórbido que até hoje me apanha em momentos de guarda baixa ou embriaguez. O horror que se atulha em meus pulmões é imenso, e sufoca, rápido, sem pena de todo o meu sofrer.
A atmosfera da casa aos poucos se foi e novamente lá estava eu, no campo verde. Nada em minhas mãos. Senti-me mais vazia do que a caixa sem seu valioso segredo. Mas um estrondo encheu meus ouvidos e, no mesmo instante, a casa partiu-se ao meio, as paredes de mármore se desfazendo como se fossem papel. E, quando o barulho silenciou, o lago cinzento engoliu os restos da casa, não deixando ali mais nada além de sua cinzentisse.
Sentei-me no chão, oca. Para mim, não havia mais nada, pois, até aquele momento, a caixa era a razão de tudo, e não havia mais o que fazer, pois, mesmo tendo tudo, eu não tinha a razão.
Foi então que ouvi -não sei como, mas ouvi- passos macios sobre a relva, passos leves e dançantes, quase sobrenaturais. Levantei meus olhos com certo atrevimento, e a imagem que presenciei foi surpreendente.
Uma bailarina, vestida toda de branco, dançava pelo campo com uma melodia silenciosa guiando seus pés. Envolta em tecidos que se ondulavam quase líquidos, ela se deslocava em minha direção, descrevendo longos e complicados movimentos, olhos fechados, confiança no vento.
"Porque vestes essa fantasia estúpida de palhaço?"
A frase dita pelo corpo dançante pairou no ar por um momento. Porque mesmo que eu me fantasiava daquela maneira? Não me lembrava. Não havia razão. Onde esta a razão?
"Não sei"
E a bailarina me puxou pelo braço, e logo eu também dançava como ela, não tão graciosa, mas, ainda assim, suave, dançando sem razão ou rumo em uma harmonia sem fim.
Por horas a fio a dançar, achava que para sempre assim viveria, sem mira certa, causa ou justificação, apenas a me repousar sobre o bailado sem sentido.
O fim da harmonia chegou. E, com ele, o abrimento de meus olhos já desacostumados com a luz. Um brilho amarelo iluminava a sala, mas não era o sol.
Passado tempo de desconforto, reconheci, à frente, uma plateia. Sob meus pés, um palco.
Holofotes velhos se penduravam no teto, atirando seus raios sujos sobre mim. Na plateia, haviam milhares de pessoas. Todas elas iguais e, ao mesmo tempo, extremamente diferentes. Demorei-me no rosto de cada um, e cada rosto, tão parecido, me passava uma sensação tão diferente do anterior. Todas sensações distintas. Nem todas boas. A maioria ruim.
Um ruído estranho saiu da coxia, avisando a entrada da Bailarina no palco.
A Bailarina mantia suas mãos nas costas, escondendo algo, e sorriu (sorriu daquela forma que só as bailarinas sorriem).
Estendeu as mãos e, nelas, segurava a minha caixa, dessa vez sem cadeado, pronta para mostrar o que guardava e acabar com o vácuo que me habitava há tanto tempo. E a Bailarina abriu a caixa. E eu pude ver o que, com tanto cuidado, ela escondia.
Então, a Bailarina se transformou em uma Bruxa Má e sorriu novamente (sorriu daquela forma que só as bruxas más sorriem).
E, com uma adaga, a Bruxa Má apunhalou o segredo da caixa.

24.5.10

O céu, o outono, o homem e a mulher


Havia um banco. Um banco branco. Um banco branco, grande, de granito, frio, feio, triste e sozinho, no meio da praça. Sobre o banco, havia um homem. Sob o homem, havia um banco.
O homem era alto e magro, e, sob os cabelos encaracolados, seus olhos estavam fixos em um jornal. O homem lia.
Por uma porta de madeira (que separava aquele mundo real do imaginário), entrou a mulher. E, junto da mulher, sem convite, entrou a brisa musical do outono que se despia de suas folhas secas e mortas.
A mulher era ela, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, era apenas ela, mulher, mente e alma. Trazia consigo uma musica, e, com ela, o mundo dançava.
A mulher, harmoniosa em si, sentou-se no banco branco ao lado do homem que lia o jornal.
O céu, acima das cabeças do homem, da mulher e da frieza do banco, olhava para baixo, acolhedor em seus leves tons pasteis. Era azul e amarelo, era um céu de outono que alegrava o coração da mulher.
Tem coisa mais bela e perfeita que o céu? Ele é por ser. Não se compara, simplesmente é.
E o homem olhou para a mulher, enfeitiçado pelos seus pensamentos alheios.
E a mulher olhou para o homem, curiosa em sua estampa.
E enquanto ambos se contemplavam, uma águia viril entrou pela porta. A porta caiu, a musica se esvaiu, o outono se foi.
Todas as coisas mais belas daquela manhã de maio se esconderam em suas tocas, mas o céu por lá ficou, em sua magnitude, sereno. Ele foi o único que percebeu.
Envoltos pelos ventos cortantes que chegavam com pressa, a mulher e o homem continuavam a se encarar. Vez ou outra, a mulher murmurava uma melodia de verão. E o homem sorria um pouco mais.
Passaram-se mais três estações, até as primeiras palavras ditas, estilhaçando o silencio em pequenos cacos de saudade.
E a mulher e o homem conversaram por alguns minutos até começar a chover. O homem virou-se e foi embora, protegendo-se com o jornal. A mulher por lá ficou, observando os lamentos do choro do céu a presenciar mais um final infeliz.

6.4.10

Ódio

Eu odeio o seu jeito de sorrir. Odeio o seu canino pontudo e o som de sua gargalhada.
Odeio suas piadas.
Risadas.
De péssimo gosto.
Odeio o seu mau gosto. Odeio o jeito que você combina verde com laranja. E as estampas.
Odeio seus sapatos velhos.
Eles fedem.
Eu odeio seus cílios longos e negros. Odeio seu olhar indecifrável.
Pistas que nunca acho.
Enigmas.
Odeio seu cheiro de não-sei-o-que. Odeio seu hálito.
Me da enjoo.
Náuseas.
Odeio suas palavras. Odeio o jeito como você sabe escolhe-las a dedo. Odeio seu jeito de falar.
Odeio quando você me faz pensar.
Pensar sobre nós.
Sobre mim.
Amar.
Odeio quando você me faz de idiota. Odeio quando eu tropeço e você ri. Odeio quando você mente.
Doí muito.
Odeio quando você me faz de inteligente. Odeio quando você me ajuda a levantar. Odeio quando você pede desculpas.
Doí muito.
Odeio quando você me faz acreditar.
Esperanças.
Odeio o seu cabelo bagunçado pelo vento. O brilho dos seus olhos olhando a lua. A chuva pingando em seu rosto.
Odeio o seu tique de ficar mordendo a boca. De mexer a cabeça.
Já falei do seu riso?
Odeio ele.
Odeio quando você ri e só para quando olha pra mim. Odeio ver você serio. Odeio quando você esta certo.
É patético.
Odeio suas promessas impossíveis, suas historias encantadoras, seus sonhos inventados e sua imaginação.
Odeio seus amores de verão.
Bobos.
Odeio essa sua forma de ver o mundo por um lado bom.
Otimista demais.
Odeio essa sua forma de ver como tudo esta acabando.
Pessimista demais.
Odeio seus extremos.
Odeio suas viagens infinitas. Odeio as lembranças que traz. Odeio quando você diz que eu sou sua paz.
Odeio seu rosto angular. Suas mãos que nunca me tocam. Seu som.
Odeio o seu gosto musical tão parecido com o meu. Odeio os seus filmes favoritos.
Principalmente as atrizes. Odeio a Megan Fox.
Odeio o seu jeito de odiá-la também.
Odeio quando me compara às outras. Odeio quando faz com que eu me sinta especial. Odeio a sua atenção.
Não entendo.
Odeio quando você não me responde. Quando você não pergunta. Odeio você, alheio.
Passageiro.
Odeio ter que te dar oi primeiro. Odeio quando você responde. E odeio quando você puxa assunto.
Odeio suas coleções. Seus cuidados. Seu prato favorito. Suas ânsias.
Odeio distancias.


20.3.10

Adeus, Aurora


A casa era arejada. Vasos de planta por todos os lados, janelas abertas e uma porta de vidro separando a sala de estar do quintal. Não era o cenário perfeito para o que ela estava prestes a fazer. Aurora, definitivamente, preferiria uma casa tenebrosa ou um apartamento luxuoso - uma coisa mais dramática, cinematográfica. Mas ela simplesmente não tinha escolha. Era um daqueles momentos que, se ela resolvesse esperar até o dia seguinte, nunca aconteceria. Agora ou nunca.
O que ela faria seria considerado, no mínimo, exagerado. Chocaria os vizinhos, muitos diriam ser um ato insano. Poderia, até mesmo, sair em algumas manchetes. E, com sorte, todos esqueceriam em questão de semanas.
"Por que, por que? Ele não podia... Não podia!". Entre lágrimas, essas eram as palavras que Aurora repetia enquanto quebrava os vasos e a terra se espalhava pelo chão.
"Ele" era Benjamin. "Ele" era inseguro. "Ele" dera a ela os momentos mais lindos de sua vida. E "Ele" foi embora. Foi embora por medo de se apaixonar.
Aurora não conseguia - e não queria - entender. Medo de se apaixonar? Um idiota. Era isso que "Ele" era. E quando ela colocou o dedo no gatilho da pistola automática, o viu. Devia ser um truque de sua mente para deixar tudo mais difícil. Mas ignorou. E atirou. E enquanto caía, ouviu um último grito. Tudo ficou escuro e Aurora, vazia, no chão.
Agora "Ele" jazia, a chorar, sobre o corpo de Aurora, com uma rosa se despedaçando em sua mão.

17.2.10

Marie

Quando saiu de casa, Marie estava linda. Linda e inteira. Marie sempre saia de casa assim. Mas nem sempre voltava.
As pernas longas cobertas por uma meia fina e a sapatilha barulhenta desceram as escadas do terceiro andar com pressa, sem esperar a manga do vestido ser ajeitada sobre os braços ou o batom ser colocado nos lábios.
-Táxi, táxi! - Três carros pararam. Um deles, nem táxi era.
Como de praxe, Marie chegou um par de horas atrasada. Entrou na festa e pegou o primeiro copo de bebida discretamente. Sentou-se em uma mesa de amigos e conversou durante o segundo, terceiro e quarto copos. No quinto, se levantou para trocar de pessoas. Essa era Marie, trocava de pessoas sempre que lhe era conveniente.
Um par de olhos azuis e sorriso faiscante (extremamente convenientes) chamaram sua atenção do outro lado do salão. Marie se dirigiu à mesa desconhecida preocupando-se somente com o batom.
E na nova mesa, mais cinco copos foram esvaziados, gargalhadas foram dadas, um amigo do jardim de infância foi encontrado e ficou intima de 7 outras pessoas (dentre elas, o dono dos olhos azuis).
Descobriu que o nome dele era Louie e tinha 29 anos, era dono do Smart vermelho estacionado na porta, mas no verão usava sua Vespa de estimação. Morava sozinho em um apartamento de dois quartos, tocava piano e violão, gostava de cachorros, viajar e sushi e estava com os olhos em Marie desde seu terceiro copo.
A ultima parte chegou aos ouvidos de Marie através de cochichos. E logo que chegou, ela abriu um sorriso mais que convidativo para Louie.
Sem desculpas ou explicações, ambos se dirigiram à saída, lado a lado, sem se tocar. A beleza deles confrontava, uma tentando ser mais bela que a outra, e, juntas, eram mais belas que todos. E todos assistiam ao confronto invisível sem ao menos respirar.
Era a fuga dos sonhos de Marie. Uma festa bacana, um cara legal. A única diferença era que tudo era bem mais sexy na vida real.
Entraram no Smart e Louie dirigiu sem rumo por um longo tempo, até decidir parar em um parque silencioso, habitado por dois mendigos e um punhado de pássaros.
Marie saiu do carro carregando duas garrafas de champagne que compraram no caminho. Andou o mais rápido que pode, lutando contra o desconforto das sapatilhas, até alcançar Louie, que a aguardava com um sorriso no rosto. Juntos, sentaram-se em um gramado úmido, abraçados, olhando para as luzes da noite da cidade.
A champagne acabou antes do começo da conversa, que durou até o nascer do sol.
Conversaram sobre suas vidas, sobre a vida dos outros, sobre sonhos, festas, livros, filmes e, no final, estavam discutindo sobre espiritualidade. Mas chegaram a um consenso: deveriam ir para a casa dele.
Entraram no quarto correndo, mas demoraram-se descobrindo um ao outro. Sentiram-se satisfeitos apenas no dia seguinte.
E Marie chegou em casa descabelada, sem meias ou sapatos, vestindo uma camisa masculina e um sorriso preso às palavras "Te pego em duas horas".

22.1.10

Decepção


É acordar louco por uma omelete, sonhar com panquecas e gemas douradas esperando por você. Arrastar-se até a cozinha e pegar dois ovos na geladeira. Podres. Pegar mais dois. Podres. Outros dois. Podres. E os ovos acabam. Podres. E você sem omelete.
É ver a maior caixa de presentes sob a árvore de natal com seu nome escrito. Começar a rasgar o papel até algum parente se lembrar que as etiquetas estão trocadas. Na verdade, você ganhou um pijama.
É chegar atrasado em algum evento que você espera há anos. Perder os ingressos do show da sua banda favorita. Estudar dias para a prova de Física e descobrir que estudou o conteúdo errado.
Decepção é descobrir que namora gêmeos, saindo cada dia com um diferente. E todos sabiam, menos você.
Decepção é perceber que está usando meias diferentes e tem uma mancha de pasta de dente na cara no primeiro dia de aula.
E decepção é amar.
É dor. É choro. Lágrimas quentes. Banho de agua fria.
E bola pra frente. Sorriso no rosto. Musica alta, gente nova. E começa tudo de novo.

11.1.10

E A Solitude Utópica...

Hoje, sem querer, me peguei revirando gavetas e arrancando folhas de caderno. Cacarecos jogados pelo chão, antigas fotografias sobre a cama, material escolar de quase 10 anos atrás.
Quando dei por mim, já não era mais possível entrar no meu quarto. Foi então que resolvi prestar atenção no estrago, e me deu vontade de chorar.
Procurei algum espaço no meio da assustadora bagunça e me deitei no chão. Sentia o cheiro da memoria misturado com o cheiro da poeira. Conseguia ver pedaços de bonecas quebradas da mesma forma que via a saudade. E o peso de tudo começou a cair sobre mim. Ele caiu tão forte, e tão rápido, que me fez pensar em um milhão de coisas durante uma fração de segundo. E foi assim que acabei me decidindo sobre o sentimento que vem me atormentando há vários meses.
É como se eu estivesse sempre deitada no chão, e com uma onda sobre mim. A onda da sociedade. A onda que me impede de ser eu mesma e me cobra mais e mais a cada dia, e quanto mais eu faço pra agradar essa onda, mais ela me cobra, sem nunca agradecer. E essa onda está sempre a centímetros de mim, prestes a entrar na minha garganta, nos meus ouvidos, nos meus olhos, prestes a me afogar.
Tem dias que tudo o que eu quero é isso. Que ela me sufoque. Então, eu não precisaria de pensar em mais nada, e viveria em uma solitude plena. Calma. Sem mais nenhuma cobrança.
Mas o pior que essa onde faz é tirar meu ar e, quando eu penso que já estou livre de tudo, ela vai e me acorda de novo.
Eu ainda quero conseguir nadar contra essa onda. E eu vou. Quando eu conseguir encontrar forças, porque hoje de manhã ela me deixou muito tempo sem respirar.