30.11.10

Sortudo é o Peixe



Queria eu ser como o peixe
E ter memória de 15 segundos
Sempre a nadar no infinito
Sempre a desconhecer o mundo

Queria eu ser como o peixe
Que toda vez que o mundano acontece
Ele vê como novidade
E logo depois, esquece

Queria eu ser como o peixe
Que não se lembra de horários
Não se importa com datas
E muito menos com as chaves do carro

Queria eu amar como o peixe:
A cada 15 segundos
Te amo de novo
E de novo e novo

Queria eu desamar como o peixe:
A cada 15 segundos
Não se lembra dos outros 15
Que, cego, desperdiçou

5.11.10

Mergulho


Sentei na areia daquela praia que guardava os segredos da minha infância. Quinze longos anos já tinham se passado desde a ultima vez que eu andara pela orla que agora abrigava rostos estranhos e algumas comerciais. Aquele vendedor de doces não estava mais ali, nem seu sorriso pálido ou suas palavras acolhedoras. Sua alma agora devia vagar por lugares desconhecidos e, provavelmente, melhores que aquela costa que agora não se importava em costa ser mais.
A areia úmida fez-se de objeto único, fez-se de cama para mim, que já não tinha mais nada, nem apoio, nem morada, e nela eu fiquei por longo tempo, indeterminado e necessário, a ver vida passar andando, o ar molhadamente salgado como se tivesse acabado de nadar no oceano que a frente se deitava, só.
O mar me intrigava. Se não fosse eu, mulher solitária sentada na areia a pensar, seria mar imensidão de agua só a nadar em mim e a me conhecer sem espantos mas com espasmos orgásticos de curiosidade e afeição.
Fechei meus olhos cegos, acostumados somente com o material e fútil, e, sentada, pus-me a escutar o cântico entoado pelas ondas. Sentada e sem ver. Somente a ouvir. E o mar falava. Sussurrava em meu ouvido segredos de seus caros amigos, casos de vidas alheias, receitas e almas perdidas. Falavam também de suicidas, brigas e novidades, comentou algumas saudades, algumas memórias, contou-me histórias, seus frios e tenros amores, todas as ânsias e dores, desejos profundos, sonhos e cantigas.
Quando dei por mim, não me dei. Não era mais eu a escutar. Agora era eu que falava, com a voz toda encharcada. E eu sentia que crescia, expandia, tomava-me por um espaço que já não era mais eu, e sim o infinito.
Agora eu era o mar. Oceano azul-verde-cinza, de humores e mágoas, de liberdades. Eu era o mar. Era o poder. E, enfim, percebi que vivia