2.4.09

Polaroid - cap. 8

Ficamos horas conversando. Falávamos sobre a nossa vida. Sobre a vida de outros.
Discutimos sobre política, musica, cinema, arte. Ele fez alguns truques de mágica e me contou piadas. Eu dancei para ele.
Quando resolvemos sair de casa para ver o por do sol, nos assustamos. A lua já estava alta no céu, e as estrelas brilhavam como nunca.
Rimos do tempo, de nos mesmos. Tudo estava passando rápido de mais.
Quando nos demos conta de que a comida tinha acabado, uma semana já tinha passado desde o dia em que Nicolas batera em minha porta. As horas estavam parecendo segundos.
Nicolas foi a cidade, comprar algumas coisas para comermos. Ele me chamou para ir junto, mas eu não quis. Naquela manha, eu tinha visto um pedaço de papel que me trouxe péssimas lembranças. Avisei-o que não gostava de temperos nem de peixe, e falei que podia demorar o tempo que quisesse.
-Ok, mas quando eu voltar, quero ver essa casa linda. Vou preparar um almoço maravilhoso. Ah, também vou trazer algumas roupas, você ta horrível vestindo esses trapos.
-Nicolas, onde você vai arrumar todo esse dinheiro?
-Até mais tarde, Íris querida!
E ele saiu.
Eu gostava de ficar sozinha. Realmente gostava. Quando eu ficava sozinha, podia pensar em tudo que eu não pensava quando estava perto de outros. Tinha medo que os outros escutassem meus pensamentos.
Enquanto esperava Nicolas, eu fiquei pensando. Fiquei lembrando do tempo em que ainda podia pensar com o calor dos sentimentos.
O tempo passou. O sol já começava a baixar no horizonte, e Nicolas não chegava. Eu estava parada na mesma posição há horas, só pensando. Tinha que me mexer.
Levantei-me e resolvi arrumar a casa. Era a única coisa que eu podia fazer naquele momento.
Tirei os montes de lixo e coloquei pra fora. Mudei a poeira de lugar e peguei algumas roupas molhadas que estavam no varal. Olhei para o céu.
Ele estava triste, vermelho. Com cara de chuva. Com cara de perda.
Organizei meu pertences em pequenas prateleiras. Desorganizei e organizei novamente. Fiz esse mesmo processo outras três vezes, até decidir que era melhor deixar tudo dentro de minha mochila e só tirar quando necessário.
Foi então que o vi novamente.
Entre os poucos objetos que Nicolas havia trazido consigo, havia um pequeno pedaço de papel amassado. Intrigante.
Comecei a remexer naquelas pequenas tralhas. Cada vez eu achava aquilo tudo mais fascinante. No começo, eu pensara que ele tinha trazido apenas lixo, algo para comer, uma muda de roupa. Mas não.
Haviam diferentes tipos de pulseiras e brincos, uma carteira vazia, uma pedra em forma de flor, e uma flor dura como pedra. Peguei o papel com cuidado, com medo de que qualquer sopro pudesse enviá-lo para longe.
Desdobrei-o e li. Droga.
Estava escrito ‘Treine’. Da mesma forma que estava escrito no meu guardanapo sujo. Com as mesmas letras garrafais, como que em uma briga, de tão garranchadas que eram. É, eu não era a única.
Fiquei meio zonza no começo e minha cabeça se confundiu. Destino conversava comigo de uma forma que fazia com que eu me sentisse especial. Não especial, mas única.
E agora eu sabia que não era.
Mas até que fazia um certo sentido.
Nicolas não era um cara normal. Isso era óbvio. Ele nunca tentou se aproveitar de mim.
Ela era cínico. Tinha um sorriso sádico. Os movimentos leves, mas como se estivesse preso. Ele era tão parecido comigo. E isso começava a me assustar.
Comecei a mexer no resto das coisas dele. Havia ainda um canivete suíço com um pouco de sangue seco, um bloco de notas e uma caneta.
Mas o que mais me chamou atenção foi um objeto maior, preto, meio empoeirado.
Era uma câmera de Polaroid, bem suja e antiga, mas ainda funcionava. Eu nunca tinha visto uma câmera como aquela antes.
Peguei-a, tirei uma foto minha, tirei fotos da casa. Tirei uma foto minha novamente.
Também encontrei uma caixinha.
De papelão e não muito grande, ela guardava varias fotos. Fotos de pessoas, em geral.
Sempre que aparecia uma pessoa, havia uma sequência de fotos só dela, até uma ultima, que era igual para todos os outros. Era a pessoa dormindo.
Tinha de uma mulher loira correndo, almoçando, rindo. E dormindo. Um senhor chorando, lendo, pensando, e dormindo.
Haviam muitas fotos. Muitas fotos mesmo.
Eu já devia ter visto umas 100 diferentes. E cheguei em um grupo de três polaróides especiais que me chocou. Era eu. Rindo, dançando e olhando para o fotografo. Quem era o fotografo? Não era Nicolas, eu ainda não era Íris, ‘a monstra’ naquelas imagens.
Coloquei as outras fotos minhas junto com aquelas outras.
A porta se abriu com um estrondo.
-Íris?
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Indico Denimor. Escute Fabulous Fantabulous em www.myspace.com/denimor

4 comentários:

esdras disse...

Ufa! Li este capítulo num fôlego só. Tremi. Me deu medo desse Nicolas! Parabéns pelo ritmo do texto, Alice. A história está sensacional!
bjo
Esdras

Gabih, ou como preferir me chamar. disse...

ai, Alice. Tu quer me matar do coração? contnua logo isso. *-* ah, eu acho que ele vai é matar a Íris. }e_ê'

Laís D. disse...

O povo acima leu minha mente - caraca!Nao me diz que ele vai matar a Íris!Se ele fizer isso eu mesma mato ele!
NOT!

Laís D. disse...

Ah, e feliz Páscoa!